domingo, 29 de abril de 2018

O chão já se abriu

A impressão que a maioria das pessoas está tendo é de que os indicadores econômicos estão melhorando e o governo se esforça muito para tentar passar esta impressão. Mas a economia brasileira ainda está na UTI. Diante do cenário político de diversas denúncias de corrupção e conluios as políticas implementadas pelo governo federal não estão surtindo efeitos de melhora. Ninguém confia mais no governo Temer e aqueles que se colocam como pré-candidatos à presidência da República não entusiasmam o mercado financeiro.

O governo está paralisado. Não consegue reagir positivamente contra nenhum evento econômico. A taxa de desemprego atingiu 13,1% no trimestre de janeiro a março de 2018, maior taxa dos últimos 12 meses. Assim o país tem aproximadamente 13,7 milhões de desempregados. Este aumento do desemprego é resultado da baixa atividade da economia que no mês de fevereiro praticamente não cresceu e nos últimos 12 meses deve ter crescido somente 1,2%.

As expectativas de inflação para 2018 e 2019 estão abaixo da meta, o que está possibilitando a redução da Selic pelo Banco Central. Entretanto o cenário internacional não está ajudando: o banco central americano elevou a taxa de juros, sinalizando que poderá aumentar mais vezes ainda este ano e a União Europeia proibiu a importação de carne de frango de 20 frigoríficos brasileiros.

Aquelas pessoas mais “milibobocas” poderão dizer que isto não atrapalha o país porque afeta somente os lucros dos bancos e dos grandes empresários. Só que não. Com o aumento dos juros nos Estados Unidos poderá ocorrer um movimento de capitais para aquele mercado e o Brasil deverá interromper a sequência de redução na Selic, podendo até ocorrer aumentos, para conter a redução do investimento estrangeiro no país. Com isto todos nós pagamos o preço, pois o nível de atividade cai, gerando desemprego.

No caso das restrições de importação de carne de frango os frigoríficos relacionados na proibição voltam sua produção para o mercado interno, provocando choque de oferta e redução dos preços. Para evitar isto as empresas já deram férias para os funcionários com o objetivo de reduzir a oferta e provocar um aumento de preços para garantir margem de rentabilidade. Pagaremos mais caro pelo frango nosso de cada dia e se a restrição se mantiver por mais tempo ocorrerão demissões no setor, aumentando o desemprego.

Mais uma combinação explosiva de eventos econômicos que o governo federal não consegue abrandar seus efeitos pelo simples fato de não gozar nem de credibilidade por parte da sociedade e nem de apoio político suficiente no Congresso Nacional.

Se a atividade econômica não reagir, também cai a arrecadação tributária e se agrava a crise fiscal da União, dos estados e municípios. Com o aperto fiscal o nível de investimento público em 2017 foi o menor dos últimos 50 anos, pois muitos dos entes federados possuem um comprometimento muito alto de suas receitas com o pagamento de salários e encargos e não estão conseguindo suprir a sociedade nem com o mínimo de serviços públicos de qualidade.

O cenário é difícil e a missão que aguarda o novo presidente da República e os novos governadores dos estados não será nada fácil. Para desarmar esta bomba não poderemos ter no comando do país e dos estados aventureiros de prontidão e nem delinquentes políticos que sobrevivem à base de populismo, sem um mínimo de relação com a realidade prática do dia-a-dia da gestão pública. Infelizmente os cenários prováveis para os próximos anos em nosso país não são dos melhores. “A vaca já foi para o brejo”, ou seja, o chão já se abriu.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Todos pela educação?


A Confederação Nacional da Indústria (CNI) juntamente com o movimento da sociedade brasileira “Todos Pela Educação” publicaram, recentemente, resultado de pesquisa sobre educação no periódico “Retratos da Sociedade Brasileira”. Esta edição aborda temas voltados para a educação básica e alerta a sociedade com a chamada: “Ensino médio público não prepara bem para o mercado de trabalho”.

Os resultados da pesquisa servem de provocação para que a sociedade reflita e discuta a situação atual da educação brasileira para buscar alternativas de eficiência para o setor, que é nevrálgico para o desenvolvimento social e econômico de qualquer país. Mas a pesquisa também pode servir para deixar muitas pessoas indignadas.

Já está consolidada na história do desenvolvimento econômico mundial a importância da educação e da agricultura para que uma sociedade alcance índices elevados de qualidade de vida. Basta revisar os processos de desenvolvimento de países como os Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Austrália, entre outros. A educação sempre foi tratada como prioridade. Em outras palavras, nos países desenvolvidos sempre tiveram politicas de educação, diferentemente de países com diversas mazelas sociais onde os agentes políticos sempre fizeram política com a educação.

No Brasil não é diferente: sempre a educação se faz presente nos discursos e propostas dos candidatos a cargos eletivos e quando estes vencem as eleições e assumem suas funções públicas passam a sofrer de amnésia de memória recente. Esquecem-se das promessas e propostas que fizeram durante a campanha e buscam manter o “status quo” de uma economia estacionária, aquela que não desenvolve, somente cresce.

Sem querer entrar no mérito do aparato metodológico da pesquisa, apenas repercutir os seus resultados, constata-se que ela apresenta que 89% dos brasileiros reconhecem que a baixa qualidade da educação prejudica o desenvolvimento do país e veem a violência e corrupção como os principais problemas que se relacionam com a baixa qualidade da educação. Isto demonstra a insatisfação com a qualidade da educação no país.

Algumas pessoas podem inferir tais resultados aos salários, considerados por alguns como sendo baixos, pagos para os profissionais da educação, mas o problema está muito além disto. A pesquisa não indicou este como um fator preponderante e fundamental, a população indicou como importantes a necessidade de se equipar melhor as escolas públicas juntamente com a necessidade de se estimular a participação dos pais na cobrança de uma boa escola, o aumento da segurança e a melhoria dos métodos de ensino.

Mas o que “salta aos olhos” na análise da pesquisa é que a maioria da população concorda que há problemas de ineficiência dos gastos com educação, em outras palavras, a baixa qualidade da educação brasileira é ocasionada pela má utilização dos recursos públicos e não pela falta deles. Com isto, a sociedade deve ficar alerta para o processo eleitoral que se avizinha, onde muitos candidatos estarão pedindo votos sem assumir compromissos formais e concretos com a sociedade. Devemos escolher candidatos que realmente se comprometam com a melhoria da qualidade do ensino, pois somente assim poderemos ter as pré-condições para a decolagem e atingir a maturidade do desenvolvimento social e econômico em nosso país.

Eles, os políticos, estão chegando para pedir nossos valiosos votos, resta saber até que ponto eles também são a favor de desenvolver políticas de educação ao invés de fazer política com a educação. Somos realmente todos pela educação?

domingo, 15 de abril de 2018

Seremos uma África?


Recentemente, em um curso, uma pessoa afirmou que o Brasil está se tornando uma África. O contexto da afirmação foi num debate sobre as condições sociais no país e sua relação com a gestão da política econômica, mais especificamente a política fiscal.

Não concordo que estejamos nos tornando uma África. Os indicadores sociais não estão nos níveis desejados, porém as alterações ocorridas no curto prazo não são suficientes para alardear que nossa situação está muito grave. De forma mais amena poderíamos dizer que está inspirando cuidados.

A sensação que temos é de que as desigualdades sociais não estão diminuindo, pelo contrário, a sensação é de que está ocorrendo um empobrecimento da população brasileira ocasionada pelo aumento persistente do desemprego, pela inflação, juros reais elevados, baixo crescimento econômico e renda bruta estagnada.

De forma pragmática podemos afirmar que nas condições econômicas atuais é possível que os indicadores sociais possam piorar, aumentando as desigualdades e o empobrecimento da população e gerando maior concentração de renda. Se somarmos isto à uma política fiscal irresponsável de sucessivos déficits públicos, aumento do endividamento e centralização do planejamento nos executivos federal, estaduais e municipais podemos nos preocupar sobre a possibilidade de convergência de nossos indicadores sociais aos níveis africanos.

Uma forma de tentar evitar que isto ocorra pode ser começada nas eleições deste ano elegendo candidatos que tenham propostas firmes e claras para reverter esta situação fiscal. Só que dos pré-candidatos que se colocaram com interesse na presidência da República não conseguimos identificar propostas consistentes para se reverter o quadro econômico atual. Consequentemente não conseguirão reverter a tendência de piora dos indicadores sociais.

Se as pessoas analisarem as entrevistas, manifestações nas redes sociais e as propostas de políticas sociais que os pré-candidatos à presidência vêm apresentando, constata-se um grande vazio de ideias. A maioria deles não apresentam ideias e propostas coerentes e factíveis. Pelo contrário, as ideias e propostas de alguns deles são verdadeiros absurdos que poderão piorar o quadro econômico e social de nosso país.

A administração pública brasileira está passando por uma grande crise. Além do desajuste fiscal temos uma desesperança acerca das lideranças que estão se colocando como pré-candidatos. Não conseguimos identificar propostas de melhora que possam ser postas em prática. Basta fazermos uma avaliação das promessas dos candidatos que se elegeram nas últimas eleições. Não cumpriram quase nada. Até porque se tivessem cumprido estaríamos vivendo num país com indicadores semelhantes aos de países desenvolvidos da Europa.

Os candidatos eleitos presidente da República, governadores estaduais e prefeitos não conseguiram cumprir quase nada de suas promessas de campanha porque as finanças públicas estão comprometidas. A receita é, via de regra, insuficiente para cobrir as despesas, possui um alto nível de vinculação constitucional, endividamento crescente e forte comprometimento das receitas com pagamento de salários e encargos.

O cenário não poderia ser pior. Realmente não há dinheiro suficiente para fazer o que tem que ser feito. Isto sem falar na ineficiência do setor público.  Se não acertarmos no voto teremos que concordar que podemos, no médio prazo, termos o agravamento de nossos indicadores sociais. Podemos nos tornar uma África? Se continuarmos elegendo candidatos que nada fazem de concreto para a sociedade, acredito que sim.

domingo, 8 de abril de 2018

Lentes e concepções

As coisas são como elas são, não devemos falsear a verdade. Porém, dependendo das lentes com que as pessoas analisam as coisas alguns vieses podem ocorrer. Estas lentes podem variar de acordo com as ideologias e culturas das pessoas. Num exemplo atual encontramos grupos de pessoas comemorando a prisão de um cidadão e outros grupos, pelo contrário, discordando e lamentando tal fato.

Alguns podem dizer que se tratam das concepções que se tem sobre algo ou alguma coisa. Mas como é que as pessoas podem ter convicções diferentes sobre a corrupção? A mesma pergunta deve ser feita com relação a tudo que existe.

É aceitável e comum que os conceitos de muitas questões subjetivas variem de acordo com a formação intelectual, cultural e ideológica, mas existem questões objetivas que não deveriam divergir tanto. Acredito que todos possuem a concepção de que a economia deva crescer. Porém, dependendo da lente utilizada para analisar o tema as alternativas propostas possuirão ferramentas e políticas distintas e, consequentemente, os caminhos para se chegar ao mesmo objetivo serão diferentes.

Podemos ter o crescimento da economia sacrificando mais determinados extratos sociais e menos outros. Isto porque, dependendo das escolhas dos detentores do poder, haverá grupos mais ou menos beneficiados. Pode-se promover o crescimento da economia com a promoção do aumento da renda do trabalhador. Mas também é possível fazer isto aumentando os gastos públicos ou incentivando os empresários através de juros ou carga tributária reduzidas.

As concepções das coisas dependem das lentes e das métricas utilizadas para medi-las. Tem empresas que oferecem participações em seus lucros para os funcionários. Tem empresas que não. Tem trabalhadores que “vestem a camisa” da empresa em que trabalham, outros não. Tem servidores públicos que compreendem que devem servir a sociedade, outros não. Tem professores que dão aulas com qualidade, outros não. Tem médicos que atendem nos horários agendados e com a atenção necessária, outros não.

As coisas são assim, mas não deveriam ser. A universidade pública é gratuita, mas tem deputados que acham que deveriam cobrar mensalidades. Tem gente que acha que os radares de trânsito não deveriam existir. Realmente as coisas não são simples de se entender.

Devemos enfrentar com muita força e vigor a falsa compreensão das pessoas acerca das coisas. As decisões de políticas públicas deveriam ser amplamente debatidas com a sociedade civil organizada de forma paritária, ou seja, todos os agentes envolvidos devem ter o mesmo peso na escolha das decisões e estas deveriam buscar a justiça social e não buscar beneficiar grupos de interesses.

A ausência do debate qualificado e imparcial é danosa para a sociedade, pois enquanto existir a parcialidade dos detentores do poder na gestão da coisa pública todo o conjunto da sociedade será prejudicado.

As lentes com que se analisam os eventos podem até serem diferentes, porém os objetivos das ações e as métricas utilizadas para avaliação devem ser as mesmas. Já está cristalizado na história da humanidade que o individualismo e a parcialidade não trazem benefícios, pelo contrário divide e enfraquece a sociedade.

Nas próximas eleições teremos, mais uma vez, a oportunidade de mudar nossa história. Só que temos que ter a certeza de que as lentes e concepções dos candidatos que escolheremos para ganharem nossos votos realmente são os que eles verbalizam. Já chega de candidatos que falam o que o povo quer ouvir, mas que agem de forma diferente.