terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Enxadadas

Quando uma economia está com desajuste em algum ou alguns indicadores econômicos é comum se implementar um ou mais instrumentos de política econômica na tentativa de equacionar os respectivos fundamentos e modular os indicadores dentro dos níveis mais adequados possíveis, dadas as condições conjunturais.

Quando Bolsonaro ainda estava em campanha para a eleição presidencial apresentou Paulo Guedes como a solução para todos estes problemas e tudo indicava que as soluções viriam de imediato, através de tratamento de choque, pois a conjuntura da época exigia celeridade nas respostas da futura equipe econômica.

Desde que Michel Temer assumiu a presidência da República o gradualismo econômico não estava sendo previsto como alternativa, pois a sociedade necessitava de respostas rápidas para o aumento do desemprego e para a recessão econômica que estávamos passando por conta da crise fiscal gerado no governo de Dilma Rousseff.

Diante do cenário da época Temer teria que implementar diversas reformas para tentar reverter a situação econômica adversa, porém teve que recuar quando se viu envolvido com denúncias e pressões do chamado “Centrão” por cargos para garantir o apoio no Congresso Nacional. Com isto as reformas que anunciara não foram implementadas e continuamos amargurando baixo crescimento econômico e desemprego persistente em patamares elevados.

Com a eleição de Bolsonaro e com o encantamento do mercado e de muitos brasileiros pela narrativa de Paulo Guedes era de se esperar uma retomada vigorosa da economia e, com isto, a redução do desemprego. Nada disto aconteceu. É claro que em 2020 tivemos a pandemia que está se estendendo até os dias atuais com influências danosas para a economia, só que pelo tanto que prometeram e falaram algumas das reformas prometidas deveriam ter sido articuladas em 2019. Até porque do jeito que falavam parecia que já estava tudo diagnosticado e pronto para ser implementado. Tudo conversa fiada.

Embora tenham feito uma reforma na Previdência, esta não foi e não será capaz de ajustar as contas públicas e muito menos para garantir o aumento da produtividade de nossa economia. Os defensores intransigentes do governo Bolsonaro podem até se alvoroçar e negar que estamos vivenciando um estado letárgico. Irão vociferar, agredir verbalmente, tentar desqualificar as críticas, mas contra fatos não há argumentos. Nada de relevante se fez até o momento para retomar o crescimento da economia.

A única medida coerente foi o auxílio emergencial implantado em 2020 e com promessas de não continuidade. Agora, diante das pressões políticas, já admitem a volta do auxílio se o Congresso aprovar redução de despesas com pessoal, como se o único problema fosse o gasto com pessoal. O governo federal não tem muita margem orçamentária para reduzir gastos obrigatórios e não querem mexer nas demais espécies de gastos. Por que não querem discutir a redução de repasses para os outros poderes? Por que não querem rever o pacto federativo? São perguntas que, ao que tudo indica, nunca serão respondidas.

O que se esperava do governo que foi eleito como sendo a redenção, era que em “cada enxadada se encontrasse uma minhoca”. Nos enganamos, não tem nada de novo neste governo. Pelo contrário, muitas coisas que antes iam bem agora estão quase que paralisadas. Mesmo que os defensores governistas venham bradar o contrário não podemos nos acovardar e deixar de cobrar soluções. Isto serve tanto para o nosso comportamento diante do governo federal quanto diante dos governos estaduais e municipais.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Novos tempos, novos hábitos

Há muitos anos fiz, juntamente com o professor Marcelo Vargas, um estudo que indicava que não era economicamente viável para uma família possuir um segundo veículo dadas algumas condicionantes, tais como: limite de quilometragem média mensal, custos fixos envolvidos na manutenção do veículo e necessidade de utilização do veículo para fins não profissionais.

Na época ainda não existiam os aplicativos de transportes particulares e as comparações foram feitas com o transporte coletivo disponível e com as tarifas médias de taxis. A viabilidade em se ter um segundo veículo se demonstrou somente para utilização frequente. Na atualidade, a sociedade está se adaptando a costumes de conforto e praticidade e, até pouco tempo atrás, um destes costumes era a família possuir mais de um carro para atender as necessidades de todos os membros da família. Há exemplos de famílias de três integrantes que possuem um carro para cada membro. Será que em 2021 isto é viável?

Na nossa região os aplicativos de transportes particulares chegaram recentemente e estão mudando a realidade da viabilidade econômica de se ter mais de um veículo para muitas famílias à medida que aumenta o número de motoristas de aplicativo trabalhando nas cidades. Ressalta-se que este número vem aumentando significativamente após a crise econômica causada pela pandemia.

Para muitas pessoas pode parecer que não compensa abrir mão de ter um carro na garagem e utilizar o serviço de taxi ou de aplicativos de transportes, então vejamos um exemplo com um carro de valor de aquisição em dezembro de 2019 de aproximadamente R$ 26.500,00. Este veículo terá um total anual de custo fixo de R$ 3.140,00. Se o proprietário o usar para percorrer um total anual de 6 mil quilômetros, que equivale a 22,7 quilômetros por dia o custo mensal da utilização será de R$ 484,10.

Se considerarmos o custo de oportunidade de manter o valor do carro aplicado e o custo da troca de pneus este custo mensal sobe para R$ 830,51, de acordo com dados parametrizados em estudo atualizado. Com este valor é possível uma pessoa se deslocar de um bairro para o centro da cidade, em trajeto de ida e volta, por até três vezes ao dia.

É claro que esta viabilidade se dá para quem utilizar um veículo para percorrer um limite de até 6 mil quilômetros no ano e no levantamento destes custos estão sendo considerados a desvalorização do veículo, o valor do IPVA, licenciamento, seguro, duas trocas de óleo anual, custo do combustível utilizado, o custo de oportunidade em manter o recurso em aplicação financeira e o custo de desgaste de pneus. Não estão sendo considerados outros custos de manutenção periódica que deve ser feito nos veículos e custos com estacionamento.

Também não estão sendo consideradas questões subjetivas com a vontade de se ter mais de um carro, pois como muitas pessoas falam: “o brasileiro é apaixonado por carros”. Pode até ser, porém a racionalidade econômica deve prevalecer. Por que gastar mais se é possível economizar? E esta economia pode ser aplicada no atendimento de outras necessidades.

Mas para que isto se viabilize e se amplie na região é necessário que aumente o número de veículos em serviço de transportes por aplicativo, bem como as pessoas passem a ter maior confiança nos serviços prestados tendo referências e conhecimento dos veículos e motoristas. Isto leva tempo, mas é possível que este serviço seja ampliado o que trará maior conforto e economia para as pessoas. Estamos vivendo novos tempos, portanto temos que ter novos hábitos.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Pedras no caminho

Há muitas pessoas que não acreditam ou não dão valor a uma das mais antigas leis da economia, a lei da oferta e da procura. Ela busca demonstrar como os preços são determinados a partir do comportamento dos consumidores e dos vendedores. Como regra geral este dispositivo possui maior aderência a mercados que operam em concorrência perfeita, mas também pode ser identificado em mercados imperfeitos.

Sempre quando a oferta é maior do que a demanda dizemos que o mercado está operando com excesso de oferta e há uma tendência aos preços baixarem até que os consumidores aceitem a consumir toda a quantidade ofertada. Já quando o mercado opera com excesso de demanda, ou seja, quando a quantidade demandada é maior do que a ofertada, o mercado está com excesso de demanda e os preços são pressionados para cima.

Pudemos observar estes eventos recentemente no mercado de commodities onde ações ocorridas no mundo fizeram com que tivéssemos menos arroz, soja, milho e feijão no mercado nacional e, com isto, os preços destes produtos dispararam. Há produtos que tiveram os seus preços dobrados e isto pressionou o custo de vida dos brasileiros, em especial dos mais pobres.

Com a pandemia da Covid-19 ocorreram diversos eventos de distanciamento e isolamento social que levaram muitas atividades econômicas a atuarem com capacidade reduzida. Com efeito, muitos produtos tiveram sua oferta reduzida o que ocasionou, em muitos casos, o aumento de seus preços no mercado. Um exemplo prático do que ocorreu e que ainda está repercutindo nos preços está no mercado de veículos novos e usados.

Com a crise que se iniciou em 2020 a produção de veículos novos foi diretamente impactada e o volume de produção caiu, na média, 31,6%. No caso específico de automóveis a queda na produção foi de 34,3%, segundo dados da associação dos fabricantes, a Anfavea. Já a queda na produção de motocicletas, considerando os dados disponíveis até novembro de 2020, foi de 19,8%, segundo dados da associação dos fabricantes, a Abraciclo.

Esta redução na quantidade produzida não foi acompanhada de reduções na demanda, embora estivéssemos num ano de crise. Com isto, os consumidores que não conseguiam comprar veículos e motos novas buscaram alternativas no mercado de seminovos gerando um aumento da demanda média do setor e, consequentemente, um aumento dos preços médios destes produtos.

Embora se tenha uma pesquisa mensal que apresenta os preços médios de veículos e motos, a conhecida “Tabela FIPE”, os vendedores não se fizeram de rogados e elevaram os preços de forma vigorosa, fazendo com que os sobrepreços com base na referida tabela chegassem a atingir a 50%. Isto está para além dos dispositivos da lei da oferta e procura, até porque existem as mercadorias para venda. O que se verifica é a prática dos vendedores de buscarem ganhos extraordinários sobre os compradores.

Isto fica demonstrado pelo fato de que quando os revendedores buscam avaliar os veículos e motos das pessoas eles tomam como base a dita “tabela” e oferecem valores equivalentes a 80% dela para revender com sobrepreço muito superior a “tabela”. Poderia ser considerado até um abuso, porém não é ilegal. Podemos considerar como sendo uma pedra no caminho de quem fez uma poupança para trocar ou comprar um carro ou uma moto.

O que os compradores deveriam fazer é colocar uma pedra no caminho dos vendedores e não comprar por preços acima da tabela, pois logo o mercado de novos voltará a operar com plena capacidade e os preços dos seminovos sofrerão menos pressão de alta.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Novos desafios

O Ministério da Economia reduziu o déficit primário para R$ 831,8 bilhões. A previsão era de R$ 844 bilhões. O esforço para esta redução deve ter sido muito grande num ano em que todos os governos do mundo tiveram que arcar com custos fiscais adicionais para socorrer pessoas e empresas diante do cenário de crise econômica causada pela pandemia.

É claro que no caso brasileiro já existia um déficit primário persistente, mas que estava sendo administrado e a sua reversão estava próxima. Entretanto, os eventos econômicos extraordinários de 2020 obrigaram as economias do globo a aumentar o seu endividamento bruto. No caso brasileiro a dívida bruta que estava equivalendo a 74,3% do PIB no final do ano de 2019 deverá atingir 91% em 2020.

Com isto o governo federal terá que tomar medidas de ajustes fiscais para conseguir reverter o déficit primário que deverá fechar em 10,6% do PIB. As expectativas é de que esta reversão somente ocorrerá no ano de 2025 e se nossa economia não passar por novas crises e se o governo federal fizer o “dever de casa”. Não acredito que isto ocorrerá. Teremos eleições presidenciais em 2022 e o presidente Bolsonaro deverá se candidatar a reeleição e não irá querer enfrentar as urnas com uma desaceleração das ações do governo.

Mas pelo que tudo indica o governo federal começa o ano de 2021 comedido e buscando demonstrar para os agentes econômicos que tem intenção de conter o déficit e o endividamento. Para isto, já anunciou que não terá mais o auxílio emergencial e que deverão tomar medidas de ajustes nos gastos públicos.

Estas medidas irão refletir diretamente nas finanças públicas dos estados e dos municípios. No caso dos municípios será ainda mais intenso porque a queda de receita em 2020 nos municípios foi compensada por repasses compensatórios dos estados e da União, o que não deverá ocorrer na mesma intensidade neste ano. Combinando isto com a possível redução na receita de ISS e IPTU por inadimplência temos que os caixas das prefeituras estarão com recursos minguados.

Para os municípios que possuem pouco endividamento e um comprometimento reduzido com folha de pagamento é possível que os prefeitos e prefeitas consigam passar o ano de 2021 sem maiores dificuldades, porém com ações “franciscanas”. Já os que se encontram em situação oposta terão que implementar uma estratégia de planejamento fiscal muito rígida para não comprometer a execução das ações nas áreas sociais, que são as que impactam diretamente na população. As ações de combate à Covid-19 e os investimentos na educação para viabilizar a volta das aulas demandarão muitos recursos e, mais uma vez, a conta deverá ficar para as prefeituras.

Não é à toa que muitos prefeitos e prefeitas estão anunciando medidas de ajustes fiscais para enfrentar este período crítico sem o auxílio financeiro de estados e da União.

As medidas são das mais variadas e passam pela redução de cargos comissionados, revisão de contratos de prestação de serviços e indicação de não concessão de reajustes para o funcionalismo público até medidas para redução de gastos com energia elétrica, água e esgoto e telefonia. Nem o “cafezinho” escapará.

Diante de tudo isto temos um cenário preocupante para os gestores municipais, principalmente para os de primeiro mandato, e todos deverão enfrentar os problemas compondo equipes técnicas competentes para a condução do processo de planejamento e execução das ações municipais. Quem agir de forma impulsiva poderá agravar as contas públicas municipais e prejudicar toda a população.