terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Na Terra do Nunca

No final do ano de 2018 todos os brasileiros acreditavam que teríamos uma guinada ideológica na forma de conduzir nossa sociedade. Esperávamos que a nova ideologia que fora propalada na campanha presidencial daquele ano se imporia como ideologia de estado. Já naquela época comentei que surgiriam muitos conflitos por conta da nova proposta. Também fiz a crítica de que nossos políticos estavam defendendo bandeiras partidárias e interesses particulares quando o correto seria a defesa dos interesses da nação.

Eis que surge o jargão de que o “nosso partido é o Brasil” sendo utilizado por um grupo político com muitos seguidores. Textualmente afirmei, a partir do significado do termo ideologia, que o correto seria que nossos agentes políticos buscassem o que é melhor para todos e não o que é melhor para si. Mas isto não aconteceu. Prevaleceu o individualismo clássico, embora vendido como sendo coletivismo. Este comportamento ainda prevalece e põe em risco a nossa sociedade.

Reafirmo a luta constante dos brasileiros eternizada por Cazuza na sua música intitulada “ideologia”: “os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito”.

Quem acompanha os noticiários, independente do veículo ou fonte, está cansado de assistir notícias de corrupção e mau uso do dinheiro público. E não estou falando somente do presente. Estou falando do passado, do presente e, com certeza, do futuro. Não acredito que estamos livres da corrupção. Também não acredito que ela irá acabar no futuro. Ela está colada na humanidade. Sempre existiu, existe e continuará existindo.

Me espanto quando me deparo com pessoas que realmente acreditam que a corrupção no Brasil cessou. É muita inocência acreditar nisto. O que parece é que o séquito dominante, principalmente nas redes sociais, pratica o escapismo, que é a tendência que se tem de fugir da realidade ou da rotina. É como se estas pessoas vivessem na “Terra do Nunca” e tivessem um líder, o seu Peter Pan. Da mesma forma que o protagonista da obra teatral do escritor escocês James Matthew Barrie, o Peter Pan brasileiro passa os seus dias vivenciando aventuras “mágicas” negando a realidade que afeta a todos os brasileiros.

Ainda hoje, assim como no final do ano de 2018, há pessoas que acreditam que o nosso Peter Pan tupiniquim está cumprindo com suas obrigações litúrgicas e defendendo os interesses da sociedade. Estas pessoas vivem na “Terra do Nunca”.

Até este momento, temos pessoas que tratam os agentes políticos como heróis e não como seus representantes. Representantes que na sua maioria não reverberam na consecução de suas funções públicas o efetivo desejo dos representados. Os heróis de Cazuza morreram de overdose. Os heróis de muitos militantes estão ou foram presos, outros estão sendo processados por algum crime. E muitos ainda serão processados e presos. Pelo menos é o que esperamos que aconteça.

Não oxigenamos nossa política ao ponto de criar uma nova política e matar a velha. Continuamos assistindo a tudo de cima do muro ou sentados no sofá. Esperávamos que em 2019 tivéssemos uma grande virada política e social. Não tivemos. Também não aconteceu em 2020 e 2021. Muitas pessoas creditam a culpa por não ocorrer tal virada à pandemia, mas muitas coisas poderiam ter sido feitas, mas não as fizeram.

A pandemia está causando inúmeros problemas econômicos e sociais. Isto é fato. Mas estas pessoas que justificam o injustificável têm que sair da vida ilusória da “Terra do Nunca” e voltar para a realidade do Brasil. Tomara que isto ocorra em 2022.


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Sem milagres

Recentemente compartilhei num grupo de mensagem instantânea uma notícia econômica comum que foi divulgada por dezenas de jornais. Para minha surpresa um membro do grupo respondeu questionando a fonte da notícia, fazendo alusão que o portal de notícias não seria confiável porque sempre divulga notícias em tom de críticas ao governo federal.

Neste comportamento se resume o período binário em que estamos vivenciando. Há um grande tsunami de notícias falsas, porém é muito simples verificar se as notícias são verdadeiras ou falsas. O problema é que muitas pessoas não querem saber se é “Fake News” ou não, só querem saber se fala mal de seu político de estimação ou não.

A notícia econômica mencionada é a mesma que saiu pela agência de notícias do IBGE e é muito difícil de falseá-la e muito fácil conferir que o conteúdo está disponível diretamente na fonte e em outras dezenas de veículos de comunicação. Basta ter vontade. Infelizmente, o que mais encontramos nos grupos de mensagens instantâneas e nas redes sociais são militantes virtuais que não se preocupam com a verdade acerca de seus políticos de estimação.

À medida que a eleição presidencial se aproxima os ânimos se acirram e os militantes virtuais ficam mais agressivos. Tudo é motivo para comparação entre os pré-candidatos. Inclusive estão fazendo críticas acerca do resultado eleitoral do Chile, onde o candidato de esquerda ganhou as eleições presidenciais. Já estão propagando o “fim” daquele país pelo simples fato de um candidato de esquerda assumir o comando.

Esta mesma linha de comentários deverá ser propagada na eleição brasileira. Mas o que poucos querem fazer é promover o debate qualificado de todas estas vertentes. Sem falar que não podemos desviar nossa atenção do que está acontecendo em nosso país e esquecer o passado recente.

Limitando a uma análise na área econômica é muito difícil acreditar que o eleito ou a eleita seja tão displicente em concretizar medidas econômicas que piorem nossa condição atual. Seria muita irresponsabilidade. Intencionalmente, isto não deve ocorrer.

Independente da linha ideológica do candidato ou da candidata as propostas para a área econômica não serão milagrosas, se forem temos que desconfiar e descartar, pois na economia há o que chamamos de “mainstream”, ou seja, uma corrente de pensamento econômico dominante e temos que estar atentos a isto. Divergir muito do “mainstream” é pôr em risco nossa economia.

Na questão econômica não podemos acreditar que as coisas estão boas e que o governo está dando as melhores respostas para a crise, pelo contrário, o próprio governo é a fonte de muitas das crises econômicas atuais. A indisciplina fiscal é um exemplo disto, e não é exclusividade deste governo, segue a prática dos governos Lula, Dilma e Temer.

A indisciplina fiscal está na “veia” dos governos brasileiros recentes como uma fonte de populismo fiscal e, com isto, todos estes governos se igualam. Nenhum deles fizeram e nem farão milagres, suas respectivas popularidades foram ou estão sendo promovidas às custas de déficits fiscais sucessivos. É claro que tem momentos em que uma economia deve apresentar estes déficits como forma de financiar o crescimento da economia, porém esta prática não pode se tornar regra.

Se formos mirar na questão econômica para escolha de candidatos, sem praticar a intolerância que permeia as redes sociais, temos que ter claro que milagres econômicos não acontecem. A solução está em políticas econômicas racionais e alinhada com o que o resto do mundo está praticando.


terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Cadê o planejamento?

O ano já está com seus resultados econômicos praticamente consolidados. Agora as preocupações se voltam para as expectativas dos agregados macroeconômicos dos próximos cinco anos. Disto dependerão muitas decisões estratégicas dos agentes econômicos que poderão impactar negativa ou positivamente em toda a sociedade brasileira.

Como não poderia ser diferente, nas últimas semanas os executivos municipais, estaduais e o federal encaminharam diversos projetos de lei para que os respectivos legislativos analisem, discutam e deliberem sobre os mesmos. Desde projetos simples até os mais complexos que merecem uma maior discussão. Porém, o encaminhamento no “apagar das luzes” objetiva “ferir de morte” o debate democrático. Na mesma linha são discutidas as leis orçamentárias da maioria dos entes federados.

O problema nisto tudo é a ausência de parâmetros para se discutir as leis orçamentárias. Isto se torna mais evidente na discussão em nível municipal onde há carência de pessoal técnico qualificado para assessorar os parlamentares municipais no debate qualitativo das peças orçamentárias. Como resultado deste desenho institucional temos que a maioria das propostas orçamentárias dos executivos municipais são aprovadas na forma original.

O problema é mais profundo. Não se trata, na maioria das vezes, de vontade da autoridade executiva querer enganar o legislador, mas de um vício estrutural no próprio processo de elaboração das leis orçamentárias. Como a própria Constituição Federal estabelece as diretrizes orçamentárias devem estabelecer as metas e prioridades da administração pública. Nesta etapa deve-se indicar as metas fiscais e físicas que a proposta orçamentária deve atingir.

Ao final da execução o relatório a ser submetido ao legislativo deve apontar tudo o que foi executado, tanto em metas fiscais quanto físicas, e as devidas justificativas pelo eventual não cumprimento. Mas no mundo real as metas apontadas no texto constitucional são reduzidas, para conveniência da autoridade executiva, somente às fiscais.

Isto pode parecer algo irrelevante, mas não é. Quando dizemos que se tem que apresentar as metas físicas nas diretrizes e leis orçamentárias significa que o executivo deve indicar o que e quanto irá executar em cada ação. Quantas consultas médicas serão realizadas, quantos alunos serão mantidos nas escolas municipais, a redução de índices de mortalidade global, materna e por causas evitáveis, quantos metros quadrados de ruas que serão recapeadas, e coisas do gênero.

Reduzir a proposta orçamentária a mera meta fiscal significa que indicam um valor a ser gasto sem deixar claro no que, como e quando será realizada uma ação e até mesmo quanto que custará esta ação.

Uma causa deste vício de procedimento está na ausência de um setor de planejamento e coordenação geral na maioria dos municípios. A função de elaborar as peças orçamentárias ficam delegadas a setores que tem outras funções, menos a de planejar e coordenar o desenvolvimento econômico e humano no município.

O grande desafio para os legisladores municipais, para as pessoas envolvidas com o controle social e mesmo para a população em geral nos próximos anos é tentar mudar esta prática e exigir que se incluam as metas físicas com o devido planejamento de ações qualitativas. Assim, será possível obter mais efetividade e eficiência na aplicação dos recursos públicos. Um ponto de partida seria a constituição de um corpo técnico de planejamento e coordenação geral na estrutura das prefeituras que ainda não o possuem.


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Aprendizado caro

A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) divulgou recentemente o “Anuário Multi Cidades: finanças dos municípios do Brasil-2022”. Muitas informações técnicas e de interesse geral compõem o relatório e vale a pena todo cidadão acessá-lo. Uma informação que chama a atenção é que as despesas com o custeio da área de educação reduziram.

Isto não pode ser considerado normal, mesmo em tempos de pandemia. O que causou isto foi, além da suspensão das aulas presenciais, a demora em se traçar um plano de ação para que as atividades de ensino não sofressem perda de qualidade pela mudança metodológica. Se por um lado até é possível que o custeio reduzisse em alguns casos, os investimentos deveriam aumentar, pois as soluções para a oferta de aulas remotas ou mesmo à distância dependem de tecnologias, que custam caro.

De acordo com o anuário as despesas com educação apresentaram a pior evolução anual desde o ano de 2002. A evolução real da despesa com educação nos municípios em 2020 reduziu 5,3% em relação às despesas do ano de 2019. Na região sul do país, a redução foi de 7%, a maior entre as regiões brasileiras. 

Na mesma linha de análise a despesa com educação por aluno em termos reais no ano de 2020 foi menor do que o valor do ano de 2014. Considerando que o número de matrículas vem reduzindo ano a ano por conta das alterações no perfil demográfico da população, este valor deveria ser cada vez maior. Principalmente porque os gastos com educação são fixados constitucionalmente com sendo, no mínimo, 25% da receita resultante de impostos, incluídas as provenientes de transferências.

Para surpresa de poucos, foi anunciado que cerca de R$ 15 bilhões deixaram de ser aplicados em educação pelas prefeituras, pelo não cumprimento do mínimo constitucional nos anos de 2020 e 2021. A estimativa da FNP é de que 8 em cada 10 municípios não conseguiram aplicar o percentual mínimo na educação.

Agora os prefeitos buscam uma espécie de anistia ou perdão com a aprovação da PEC 13/2021, que apresenta como objeto central a não responsabilização dos dirigentes dos estados, Distrito Federal e municípios pelo descumprimento da regra de aplicação mínima em educação nos anos de pandemia.

Não é um assunto de simples discussão, pois ao mesmo tempo que se apresentam argumentos factíveis, também são apresentadas desculpas esfarrapadas. E o pior é que esperam acontecer para depois buscarem uma solução. A primeira alternativa deveria ser o diagnóstico precoce da situação feito pelas equipes técnicas de planejamento, orçamento e finanças das prefeituras com o consequente subsídio aos gestores com informações que possibilitassem uma ação mais tempestiva e uma articulação mais eficiente para solução deste imbróglio.

Aprendi com meu professor Ruy Barbosa, nas salas de aulas da Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana, que nem todos os municípios conseguem aplicar os mínimos constitucionais, sem invencionismos. Alguns porque não precisam, outros por incompetência. Fato é que agora o pavio está próximo da bomba e teremos uma solução mágica tirada da cartola. Isto é muito mais difícil do que planejar, justificar e buscar soluções técnicas.

Uma alternativa muito simples seria terem aplicado os valores disponíveis em tecnologias e infraestrutura tanto para aulas remotas quanto para as presenciais, para o retorno. Isto daria um ganho qualitativo para nossa educação e contribuiria para um maior crescimento econômico futuro. Infelizmente isto não aconteceu. Então que sirva de aprendizado. Um aprendizado muito caro.