quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Flerte fatal

Nas últimas semanas o governo Bolsonaro tem experimentado um aumento significativo de sua aprovação e isto está sendo atribuído especificamente a uma modulação na retórica do presidente e a uma tendência de melhora da economia lastreada pelos impactos do auxílio emergencial pago por conta do estado de pandemia.

Com efeito, temos que há uma melhora nas expectativas de desempenho da economia que, na sua mediana, prevê uma queda de 5,5%, sendo que chegou a atingir uma expectativa de queda de 6,6%. A economia está respondendo positivamente, porém isto não significa que os danos da crise não serão perversos e de que não demorará muitos anos para se recuperar totalmente e voltar aos níveis em que estava operando antes da crise.

Este cenário de melhora das expectativas não tem relação com as habilidades técnicas e políticas do governo, até porque inexistem tais habilidades. A modulação na retórica tem vinculação com um claro instinto de sobrevivência que levou o próprio presidente Bolsonaro a amenizar seu discurso radical quanto a muitos aspectos comportamentais e econômicos, com passagem importante pelo negacionismo da gravidade da pandemia. Ele deixou o discurso enfatizando questões mais radicais e promoveu uma aproximação estratégica com o chamado Centrão, lançando mão de práticas combatidas durante a campanha eleitoral.

Mas o que tem tido efeito mais significativo na melhora da avaliação do governo é o pagamento do auxílio emergencial. A intenção do governo era de pagar um auxílio menor no valor e abrangência, porém isto foi potencializado na Câmara dos Deputados e veio a se tornar a principal medida para amenizar os efeitos da crise econômica causada pela pandemia.

Com o pagamento do auxílio emergencial a miséria em nosso país diminuiu porque muitas pessoas e famílias que acessaram o benefício passaram a contar com mais recursos do que antes, uma vez que muitas destas pessoas e famílias tinham renda inferior aos R$ 600 que estão sendo pagos pelo governo. Isto também se aplica a milhões de brasileiros que estão desempregados e sem renda nenhuma.

O governo percebeu que o programa proporcionou uma melhora de vida de milhões de brasileiros que antes não tinham renda e que passaram a ter dinheiro para poder por comida na mesa. Naturalmente, estas pessoas passaram a apoiar o governo e isto despertou o interesse na manutenção do auxílio emergencial. Tudo isto motivado não pelo interesse e necessidade de se ter uma política de apoio aos pobres e miseráveis brasileiros, mas tão e somente com o interesse de manter o nível de aprovação do governo.

A grande questão que tem que ser resolvida é a sustentabilidade deste programa diante do risco de rompimento do teto de gastos, que é a principal âncora fiscal que busca amenizar nossa situação econômica. Isto é posto porque o governo federal não tem margem fiscal para aumento de despesas. Não tem sequer para a manutenção do nível de gastos que está tendo neste ano, mas neste caso é excepcional por conta do estado de emergência.

A sobrevivência política do governo depende da melhora da economia e já está claro que isto ocorrerá de forma mais rápida com a manutenção do pagamento do auxílio emergencial que é destinado na sua integralidade para o consumo das famílias. Só que a manutenção do nível de gastos do governo é um flerte fatal com o aumento do endividamento e com o rompimento do teto de gastos. E se isto acontecer teremos uma segunda onda da crise econômica que será fatal para o governo federal e para todos os brasileiros.

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