terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Com o dinheiro do povo

A ironia apresentada com a distribuição da arrecadação das apostas das loterias brasileiras não é prática isolada. Quando o governo precisa financiar alguma atividade nova ele não busca concorrer esta nova despesa com as antigas. O governo não corta outras despesas, mantêm as antigas, criam as novas e desenvolvem uma forma de transferir o ônus do financiamento para a sociedade.

Alguns podem considerar que o corte de despesas já é uma forma de transferência do financiamento para a sociedade. Discordo. Também é possível melhorar a qualidade do gasto público. Fazer mais com o mesmo tanto de recursos ou até com menos. É neste momento que os grupos corporativistas começam as críticas e ataques para ideias desta natureza alegando que isto é liberalismo. Não é, não. É ser eficiente.

Em economia é ensinada a dicotomia neoclássica que contrapõem as necessidades econômicas, que são ilimitadas, com os recursos produtivos, que são escassos. Assim, a economia tem que dar respostas eficientes para as questões fundamentais do problema econômico. Têm-se que decidir o que, quanto, como e para quem produzir com os recursos escassos. Buscar a maximização das necessidades com os recursos disponíveis. Na administração pública também deveria ser assim.

Com a tragédia recente na cidade de Petrópolis veio à baila a discussão da necessidade (ou mesmo da moralidade) em se cobrar o laudêmio ou “taxa do príncipe”, que é um percentual cobrado de todo comprador de imóvel na cidade de Petrópolis. Este valor arrecadado é destinado à Companhia Imobiliária de Petrópolis, administrada pelos descendentes de Dom Pedro II.

Estimativas apontam para uma receita de R$ 5,1 milhões com a “taxa do príncipe” somente no ano de 2020. Daí surgem os questionamentos sobre a real necessidade disto, bem como sobre a transparência na aplicação destes recursos. Assim como muitas pessoas tem a curiosidade de como são gastas as verbas de gabinetes de deputados estaduais e federais e dos senadores. Tanto a “taxa do príncipe” quanto as verbas de gabinetes citadas são legais, mas será que podemos questionar a moralidade destes eventos? Isto deve compor o conjunto de regras, costumes e formas de pensar de uma sociedade que possui tantas mazelas sociais?

A impressão que gera, a princípio, é que muitos de nossos agentes políticos não se preocupam com isto. Afinal de contas, é com o dinheiro do povo. Não com o deles. Muitas despesas que para muitos cidadãos brasileiros comuns são desnecessárias são priorizadas pelos agentes políticos e aquelas que para a sociedade são fundamentais ficam descartadas.

Não se trata somente da arrecadação das loterias que são utilizadas para financiar algumas políticas públicas. Sempre quando o governo pretende fazer uma coisa nova tenham certeza de que eles irão usar o dinheiro do povo que será cobrado de forma adicional ao que já é pago na forma de tributos, taxas e contribuições.

O governo do Paraná criou um Fundo de Combate à Pobreza no ano de 2015. Para constituir este fundo não se utilizou o princípio da eficiência consignando parte da arrecadação vigente e melhorando a qualidade do gasto público. Foi feito o mais fácil: aumentaram as alíquotas do ICMS sobre diversos produtos. Isto gerou uma transferência de custos para o preço final e passamos a financiar este fundo, que arrecadou mais de R$ 700 milhões em 2021. Independentemente de ser loteria, verba de gabinete, “taxa do príncipe” ou fundo para combater a pobreza o que falta é transparência. Afinal de contas é com o dinheiro do povo.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Jogar para quem?

Há muito tempo que me despertou uma curiosidade sobre a arrecadação das loterias e o destino da arrecadação. Como sempre tem divulgações de prêmios milionários acumulados isto gera uma correria às lotéricas para fazer a tal da “fezinha” e tentar ganhar uma bolada de dinheiro que muitos não iriam conseguir arrecadar (ou juntar) ao longo de toda a vida.

É a busca das soluções para os problemas econômico através dos jogos de azar. Esta prática sonhadora não é exclusividade dos brasileiros, pois existe no mundo todo. Muito menos é coisa recente, já que existem indícios de que a antiga civilização suméria já tinha jogos de azar a cerca de três mil anos antes de Cristo.

Para encontrar os valores arrecadados foi feita uma pesquisa dos dados encontrados no sítio eletrônico da Caixa Econômica Federal, que é gestora das loterias existentes no país. A cifra é realmente vultuosa. Somente na semana anterior a da pesquisa o total arrecadado pelas loterias da Caixa (excluindo a Loteria Federal) atingiu R$ 300 milhões.

Num exercício simples de estimativa anual podemos considerar que o valor anual arrecadado pelas loterias em análise supera a R$ 15,6 bilhões. Este valor é superior ao das receitas brutas realizadas no ano de 2020 de alguns estados da federação, sendo estes: Acre, Alagoas, Amapá, Roraima, Rondônia, Sergipe e Tocantins. Também é muito próximo ao arrecadado no mesmo ano pelos estados da Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte.

Sem sombras de dúvidas a primeira opinião que surge é que este valor arrecadado deveria beneficiar milhares, ou mesmo milhões de pessoas. Só que não. Primeiro, porque poucas pessoas ganham os prêmios principais. Já os prêmios restantes não pagam valores que podemos considerar que possa enriquecer alguma pessoa. É pouco para isto.

Mas o que pode causar espanto para muitas pessoas é que o valor total dos prêmios brutos a serem pagos corresponde a menos da metade do total arrecadado. Na estimativa apresentada os prêmios correspondem a 43,4% do total. O restante do valor apresenta uma distribuição específica em cada tipo de loteria, sendo que 19,1% é destinado para cobertura das despesas de custeio e manutenção, tais como: comissão dos lotéricos, custeio de despesas operacionais e para a composição do Fundo de Desenvolvimento de Loterias.

Na estimativa realizada a Seguridade Social receberia 17,1% do valor anual arrecadado, seguido pelo Fundo Nacional de Segurança Pública (9,2%), Fundo Nacional de Cultura (2,9%), Ministério do Esporte/Ministério da Cidadania (2,5%), Comitê Olímpico do Brasil (1,7%) e outras doze formas de rateio que recebem 1% ou menos do total. Até os clubes de futebol e outras entidades de práticas desportivas recebem parte do bolo arrecadado.

Realmente as loterias podem ser consideradas como um ótimo negócio não só para quem tem a sorte grande de ganhar o prêmio principal, mas também é um bom negócio para o gestor. No caso analisado é um bom negócio para o governo federal que, às custas da esperança dos apostadores, conseguem gerar receitas e financiar entidades e fundos federais, bem como distribuir até para entidades privadas.

Não é à toa que o governo do estado do Paraná está fazendo ressurgir das cinzas uma loteria paranaense que consignará recursos, além do prêmio, para a segurança pública, habitação popular, financiamento de ações e programas do governo estadual e para a manutenção da estrutura da nova autarquia criada para gerir a nova loteria. Não deixa de ser uma forma de distribuição de renda através das apostas populares.

 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Usando a peneira

A conjuntura econômica e política muda a cada dia com as medidas, notícias e boatos. É um movimento natural e isto tem que ser acompanhado pelos analistas com a devida atenção com o objetivo de orientar investidores, empreendedores e a população em geral de como nossos governantes estão gerindo nossa economia e nosso país.

É claro que parte das análises são ensopadas de juízo de valor e as tendências políticas de cada analista influencia no resultado. Porém, não tem como fugir ao rigor da ciência política e da ciência econômica. Muitos eventos, mesmos os futuros, seguem a lógica de modelos econômicos comportamentais, bem como as condições de equilíbrio de cada mercado.

Os assuntos que estão à frente dos noticiários com maior destaque são as decisões sobre as taxas de juros para controlar a inflação e a PEC dos combustíveis. Ambas ações do governo são ilustradas como sendo a solução para amenizar o custo de vida dos brasileiros de forma geral, no caso da inflação, e para baratear os combustíveis e o gás de cozinha, no caso da PEC dos combustíveis.

Mas algumas coisas relevantes não estão sendo ditas no escopo da euforia dos governistas de plantão. A primeira questão que quero destacar é a ação do Copom em elevar os juros como ferramenta para o combate à inflação. Temos três tipos de inflação: a de demanda, quando os consumidores aumentam muito o consumo de bens e serviços e por isto os preços aumentam; a de custos, quando ocorrem aumentos de custos de produção e estes são repassados para os preços finais; e a inercial, onde os preços sobem na forma de retroalimentação baseada na inflação passada.

O remédio utilizado pelas autoridades econômicas trata toda a inflação como se ela estivesse sendo gerada pelo excesso de demanda das famílias, o que não pode ser admitida na integralidade. É claro que o consumo das famílias tem aumentado em relação aos anos anteriores, mas a inflação não é gerada somente pela demanda, também temos componentes de custos na inflação, principalmente a desvalorização de nossa moeda frente ao dólar. E o que estão fazendo para combater isto?

Em 2021 a energia elétrica sofreu reajustes de preços de 21,2%, a taxa de água e esgoto subiu 5,2%, o aumento do gás de cozinha foi de 37%, a gasolina subiu 47,5% e o óleo diesel aumentou 46%. Estes aumentos não ocorreram porque as pessoas aumentaram seus consumos, mas porque o governo pratica uma política de preços monitorados que deteriora a renda dos brasileiros. O aumento dos juros pode ajudar um pouco no combate à inflação, porém não pode ser tratada como sendo a única alternativa. Na outra ponta juros altos afetam o endividamento público que, somado à indisciplina fiscal, piora a trajetória das contas públicas e eleva o prêmio de risco do país. A inflação deve ser combatida com outras ferramentas de política econômica além de juros altos.

A segunda questão, a PEC dos combustíveis, é mera ação populista, uma vez que não há garantias de que os preços serão reduzidos, até porque as possíveis reduções poderão ser apropriadas pelas respectivas cadeias produtivas. O que ocorrerá é uma sensação temporária de melhora que irá gerar aumento do endividamento público a ser compensado com aumento de impostos no futuro próximo para cobrir o rombo criado pelos rompantes populistas.

Muitas informações estão sendo omitidas da sociedade e devem ser esclarecidas e debatidas com transparência e responsabilidade. O que estão fazendo é, simplesmente, “tapar o sol com a peneira”. Não se resolve nada, só empurram para frente.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Ainda estamos fragilizados

Toda semana temos diversos eventos ou notícias econômicas que alteram os agregados econômicos ou suas expectativas. Diariamente surgem diversas informações que alteram a conjuntura e que podem afetar a estrutura econômica e social do país.

A semana começou com a divulgação pelo Banco Central do Brasil das expectativas de mercado. Também tivemos notícias sobre a inadimplência das contas de luz de 40% das famílias de baixa renda, do aumento de 114% do preço da energia elétrica desde 2015, redução de 650 mil alunos na educação infantil, possibilidade de um novo aumento dos juros pelo Copom, resultado do Caged apontando a criação de 2,7 milhões de empregos e o resultado das estatísticas fiscais. As duas últimas foram as notícias mais comemoradas pelo governo. Ambas são ótimas notícias e devem ser comemoradas, porém com a devida moderação.

No caso da geração de empregos temos a clareza que os empregos começaram a surgir com a retomada da atividade econômica no mundo todo. O aumento da demanda global impulsionou os setores produtivos que começaram as recontratações. O número é significativo até porque a base de comparação é muito ruim. O nível de emprego já tinha caído com a crise fiscal do governo Dilma.

Ainda temos um volume muito elevado de desempregados e nossa economia levará alguns anos para recuperar os empregos perdidos nos últimos dez anos. Isto se mantivermos um nível satisfatório de crescimento econômico, o que poderá não ocorrer se as expectativas de mercado se confirmarem.

Já o resultado fiscal foi motivo de comemoração do ministro da Economia, Paulo Guedes, como se este resultado viesse das ações de seu ministério. Podem até ter contribuído com alguma coisa, mas muito pouco. O resultado primário ficou superavitário em R$ 64,7 bilhões, sendo o melhor resultado desde o ano de 2013, quando o superávit foi de R$ 91,3 bilhões. Este resultado é muito bom, porém não foi alcançado pelos esforços do governo federal.

O setor público vem tendo um crescimento da receita e em 2021 isto não foi diferente. Inclusive a inflação elevada gerou um aumento nominal na base a ser tributada elevando a arrecadação. É claro que o setor público teve aumento real de receitas, mas a inflação ajudou muito para este cenário.

Outro ponto a destacar é que os estados, municípios e as empresas estatais é que apresentaram superávit primário em suas contas. O governo federal apresentou déficit de R$ 35,9 bilhões. O governo federal gastou bem menos do que nos anos anteriores, por isto que o resultado foi positivo. Méritos do governo? Pode ser. Mas e o que deixou de ser feito?

Outro ponto a ser considerado e que já foi abordado neste espaço é que estados e municípios vêm apresentando sucessivos superávits em suas contas quando um dos princípios orçamentários é o do equilíbrio, ou seja, que as despesas sejam iguais as receitas. Com esta prática sobram recursos nestes entes e, possivelmente, muitas ações estão deixando de serem executados em favor da população.

O que o governo não fala é que a dívida bruta geral fechou o ano equivalendo a 80,3% do PIB, bem acima do período pré-pandemia quando equivalia a 74,4% do PIB. E isto, combinado com as tentativas de “furar” o teto de gastos, aumenta o risco fiscal e pode funcionar como um “freio” para nossa economia, evitando que mais empregos sejam gerados. A situação ainda inspira muita atenção, responsabilidade e competência num ano em que tudo será pautado pelas eleições presidenciais. Ainda há muito a ser feito antes que comece a melhorar.