domingo, 31 de julho de 2016

O bê-a-bá

Há alguns dias atrás o historiador, escritor e comentarista Marco Antonio Villa fez algumas considerações num programa de rádio sobre os autoquestionamentos que o eleitor deve fazer sobre os candidatos que pretendem votar. Perguntas do tipo: qual é a profissão do candidato que pretendo votar? Qual é o seu emprego? Ele enriqueceu após assumir cargos públicos?

Acredito que a intenção do analista é a de promover uma autorreflexão nos eleitores sobre o perfil dos candidatos aos cargos eletivos na próxima eleição. E realmente os eleitores devem avaliar o perfil dos candidatos a prefeito e, principalmente, dos candidatos a vereador. Todas as pessoas sabem que vereador não é profissão, por isto o eleitor deve ter a certeza que o candidato possui uma profissão e um emprego. A disposição de ser um legislador não pode ser movida por questões financeiras e os altos valores dos subsídios pagos acabam despertando o interesse de muitas pessoas.

Os vereadores possuem como funções típicas elaborar e votar leis e fiscalizar os gastos do executivo e da própria Câmara de Vereadores. Já as funções atípicas são a de administrar o legislativo e de julgar as ações do prefeito. Portanto fica claro que o vereador, e por consequência o candidato, deva ter certo nível de instrução, certo nível de cultura. Não se trata de nível de escolaridade, mas de conhecimento e capacidade para elaborar e votar as leis e de fiscalizar o executivo.

Analisem o episódio ocorrido na posse de um deputado estadual de Minas Gerais, Pedro Ivo Ferreira Caminhas, onde ele não conseguiu ler o juramento de posse na assembleia legislativa de seu estado. O vídeo viralizou nas redes sociais e nos blogues de notícias. Pode até ser que ele estivesse nervoso, mas quando ele deixou de lado o juramento e disse que isto não importava e que o importante era ele estar ali pode ter frustrado a expectativa de muitos de seus eleitores que esperavam outro comportamento dele.

Daí há de se fazer o seguinte autoquestionamento: o candidato a vereador que está pedindo o meu voto tem condições de ler, entender e explicar o conteúdo de um texto complexo? Não precisa ser um excelente orador ou escritor, mas tem que ter condições de elaborar leis e para isto tem que pesquisar. Tem que ler e entender os projetos propostos pelos outros vereadores e pelo executivo, entender e julgar se o projeto é viável ou não.

Outro autoquestionamento pertinente diz respeito ao que o professor Villa apresentou: qual é a profissão e onde ele trabalha? Candidato ou vereador que não tem emprego possui o perfil adequado para defender os interesses da sociedade?

Indo além, quando o candidato já foi vereador deve-se fazer o seguinte autoquestionamento: durante os seus mandatos anteriores o candidato cumpriu com as funções legislativas típicas? Ele chegou a fazer algum questionamento sobre os gastos do executivo? O desapego para com estas práticas desqualificam qualquer vereador e os eleitores não devem cometer o erro de votar nele novamente.

Isto sem falar naqueles pré-candidatos que no ano da eleição começam a cumprimentar todas as pessoas que encontram. Um verdadeiro absurdo.

Enfim, sucumbir aos argumentos e artimanhas de candidatos despreparados votando neles leva a concluir que o eleitor que fizer isto também pode estar despreparado para participar do processo eletivo. 

domingo, 24 de julho de 2016

Soldadinhos de chumbo

As pessoas costumam assumir posições incoerentes e antagônicas entre si. Grupos de pessoas cotidianamente se organizam para defender doutrinas das mais diversas. As defesas ocorrem de forma apaixonada e, na maioria das vezes, intransigente e geram conflitos entre os grupos.

Tais equipes, quando possuem forte doutrinação, se posicionam como exércitos de soldados em defesa de suas causas e, na maioria das vezes, chegam até a serem violentos.

Atualmente podemos identificar embates que representam tais antagonismos ideológicos que redundam nas finanças públicas. A união, os estados e os municípios estão operando no limite do equilíbrio entre receitas e despesas, sendo que muitos já apresentam déficit e colocam em risco atividades essenciais como saúde, segurança e educação. No caso do governo federal o déficit é tão agudo que está causando danos enormes à nossa economia e todos nós estamos sofrendo as consequências.

O governo federal saiu com uma proposta corajosa e polêmica, a de limitar os gastos com saúde e educação ao valor utilizado no ano anterior acrescido da inflação do período e não mais pela receita. Acontece que a Constituição Federal estabelece que os gastos  com estas áreas são vinculados à receita do ano corrente e com a proposta os valores serão “congelados” em termos reais. Ilustrando o assunto temos que se a receita aumentasse 10% os gastos destas áreas também aumentariam na mesma proporção, independente da inflação do período. Agora, após aprovada a proposta, se a receita aumentar os mesmos 10% e a inflação for de 5% os gastos serão limitados a mais 5%.

Está armada a confusão: os apoiadores do governo já estão convocados para defender a proposta visando equilibrar as finanças públicas e colocar a economia no rumo da retomada do crescimento. Já os opositores, sindicatos, associações e outros grupos que defendem o aumento dos gastos com saúde e educação também já estão convocando seus “exércitos” para contra-atacar o governo.

Difícil prever quem sairá vitorioso desta batalha, mas algumas considerações devem ser feitas sobre o assunto. O governo não está errado em querer reverter o déficit nas contas públicas, pois sem equilíbrio fiscal dificilmente retomaremos o crescimento econômico e, com isto, promovendo a redução do desemprego e o aumento da renda real do trabalhador. Mas, infelizmente soluções desta natureza são difíceis e passam pelo sacrifício da sociedade como um todo, pois os gastos em áreas sociais serão reduzidos.

Por outro lado, os contrários à proposta alegam que o governo já aplica poucos recursos nas áreas sociais e que na saúde e educação deveriam liberar mais recursos. Entretanto temos que destacar que antes de aumentar os gastos o que este grupo deveria propor é a melhoria da qualidade do gasto público, o que implica em aumentar a produtividade do setor público, tema que é tratado como blasfêmia pelos defensores das ideias mortas. Não se trata de seguir uma linha produtivista, mas impor mais qualidade na produção do setor público através de economias de escala e de escopo.

Os dois lados estão certos, mas a decisão a ser tomada não acomodará os intentos dos dois exércitos e, com certeza, as “baixas” mais graves ocorrerão dentre os soldados mais fragilizados, os cidadãos comuns. São estes que irão derreter na fogueira da irresponsabilidade dos formuladores de políticas públicas. 

domingo, 17 de julho de 2016

O chão está se abrindo

O dinheiro escasseou. Isto mesmo: os recursos financeiros que o setor público estava acostumado a ter para promover suas despesas veio diminuindo gradualmente nos últimos anos e, apesar dos inúmeros alertas, muitos gestores públicos não fizeram um planejamento adequado para enfrentar as crises de 2008 e a atual.

Não foi por falta de avisar. Os momentos de prosperidade e de fartura que união, estados e municípios tiveram nos últimos quinze anos serviram somente para acelerar o crescimento do tamanho da máquina pública sem vislumbrar políticas públicas estruturantes, aquelas que permitem que a economia tenha crescimento econômico sustentável no curto prazo e desenvolvimento econômico no longo prazo.

Nosso país está mergulhado numa recessão econômica que estacionou a economia desde o ano de 2012, e ainda vai demorar pelo menos mais três anos para que possamos ter a retomada.

Todos os governantes devem ter responsabilidade sobre o comprometimento presente e futuro que ele impõe aos cofres públicos e as decisões devem ser acompanhadas de uma análise de sensibilidade das decisões que serão tomadas. Por que digo isto? Ora, todos sabemos que existem as vinculações orçamentárias, ou seja, obrigações que se encontram vinculadas a uma parcela da arrecadação. Por exemplo: no estado do Paraná de cada um real que é arrecadado o governo tem que aplicar 30% na educação, 12% na saúde, 1,05% no pagamento de PASEP, 2% para pagamento de precatórios, 2% para investimento em ciência e tecnologia, 9,5% tem que transferir para o Judiciário, 4,1% para o Ministério Público, 3,1% para a Assembleia Legislativa e  1,9% para o Tribunal de Contas.

De cada R$ 1 arrecadado em impostos e de transferências, depois de descontar as vinculações, restam somente R$ 0,34 para aplicar em áreas que não possuem vinculações. Esses recursos são chamados de recursos livres. No caso do IPVA de cada R$ 1 arrecadado sobra somente R$ 0,17 de recursos e no ICMS de cada R$ 1 temos somente R$ 0,26 de recursos livres. Isto porque tais impostos são compartilhados com os municípios.

Com isto, qualquer decisão de aumento de gastos que se torne perene poderá inviabilizar as atividades no futuro pelo simples comprometimento de recursos com despesas de caráter continuado e com as vinculações. O estado do Paraná está dando mostras deste descontrole: no período de 2012 a 2016 as receitas tributárias somadas com as transferências correntes cresceram a uma taxa anual de 11,1% ao ano e no mesmo período as despesas cresceram a uma taxa de 16,5% ao ano. Assim fica óbvio que as finanças públicas do estado também inspiram muita atenção e cuidado por parte de seus gestores. Pior: segundo o relatório resumido da execução orçamentária do segundo bimestre a receita total prevista para 2016 é de R$ 47,3 bilhões enquanto que as despesas previstas são de R$ 52,4 bilhões, ou seja, déficit à vista. Com isto haverá necessidade de utilizar a reserva de contingência e não aumentar os gastos.

O governo do estado está “engessado” e não deve conseguir fazer muitas das coisas que prometeu nos últimos tempos e dependendo de como se comportar a receita nos próximos meses e anos haverá necessidade de novos ajustes fiscais com aumento de impostos e corte de despesas. Este é mais um exemplo de que os limites não são as ideias e a dedicação, mas sim a capacidade que se tem de financiar e gerir as ações.

domingo, 10 de julho de 2016

Como disse Paulo Francis

É muito comum presidente da República, governadores e prefeitos se vangloriarem quando os respectivos indicadores socioeconômicos são positivos. Por outro lado quando os resultados são ruins ou eles silenciam ou tentam disfarçar a verdade. Muitas notícias veicularam nesta semana onde pudemos encontrar um governador, alguns prefeitos e um presidente de associação comercial e industrial afirmando que o nível de emprego está positivo, contrariando a tendência nacional.

E o cenário nacional do emprego não é bom: de janeiro a maio deste ano o desemprego aumentou em 458,5 mil postos. Bem acima do verificado no mesmo período do ano passado quando o desemprego aumentou em 278,3 mil postos de trabalho.

Não há nada para se comemorar e não tem o porquê tentar esconder a verdade da sociedade. Nos primeiros cinco meses do ano passado o Paraná foi o estado da federação que criou mais empregos líquidos, com a abertura de 22 mil postos de trabalhos. No país, dos 27 estados e Distrito Federal, somente 8 tiveram geração de emprego positiva: Paraná, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Piauí e Tocantins. Já no mesmo período deste ano foram somente quatro: Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina.

No caso do Paraná foram 9.382 postos de trabalho fechados, ou seja, as demissões superaram as contratações neste montante. Com efeito houve um aumento do desemprego no estado. Não bastasse isto o governo do estado comprometeu no primeiro semestre do ano cerca de R$ 719 milhões com o pagamento de juros e amortizações de dívidas, além de declarar que não possue dinheiro suficiente para pagar os reajustes e promoções do funcionalismo. Mesmo assim o governo insiste em tentar vender a imagem de que o estado é uma “ilha de prosperidade” em meio à crise que assola o país.

Não é pelo fato de que os indicadores do estado estão menos ruim do que os dos outros que está bom. A situação é preocupante e necessita de planejamento, responsabilidade e colaboração de todos. Não adianta querer “tapar o sol com a peneira”: as coisas estão difíceis. E com a indicação do governo federal de que para o ano de 2017 teremos outro déficit robusto, na ordem de R$ 143 bilhões, o que podemos esperar é que a economia não irá crescer e, com isto, não haverá redução do desemprego.

Qualquer número positivo na geração de emprego que por ventura esteja ocorrendo em algum município ou estado não justifica comemoração, pois são muito tímidos frente ao contingente de desempregados que temos em nosso país e, consequentemente, em todas as regiões e cidades.

Os ajustes fiscais efetuados pelo governo do estado do Paraná minimizaram os impactos da crise sobre nosso estado, entretanto não foi suficiente para dar fôlego para que os investimentos sejam retomados de forma mais vigorosa, além de nos questionarmos se adianta o estado investir se o setor produtivo não tem perspectiva de investir. Nesse caso o público sem o privado não funciona.

A retomada do crescimento vai demorar e o desemprego vai continuar nos assombrando. De nada vai adiantar os discursos otimistas, isto não irá levar a lugar nenhum. Aliás, segundo Paulo Francis “todo otimista é um mal-informado".  Diante do quadro atual a responsabilidade com a coisa pública deve ser muito bem observada pelos agentes políticos e fiscalizada pela população.

domingo, 3 de julho de 2016

Aposentadoria utópica

Nosso país possui um dos sistemas de previdência social mais inclusivo do mundo. Desde a Constituição de 1824 até os dias atuais a previdência social brasileira avançou muito na cobertura previdenciária e na redução potencial de pobreza, principalmente para os mais idosos.

Poderia ser considerado um sistema ideal, porém nossa previdência social é contributiva, ou seja, as pessoas que estão trabalhando contribuem para que sejam pagas as aposentadorias e pensões das pessoas que já se encontram nestas condições. O que contribuímos mensalmente não fica guardado, capitalizando, para que no momento da aposentadoria comecemos a efetuar as retiradas dos benefícios mensais.

Com o passar dos anos e com a melhoria da qualidade de vida e das condições de trabalho dos brasileiros a expectativa de vida aumentou e as pessoas estão vivendo mais e, consequentemente, ficam mais tempo recebendo suas aposentadorias. Uma notícia boa que gera um impacto negativo para as finanças públicas, pois há muito tempo a receita da previdência é inferior às despesas e o governo federal tem que cobrir a insuficiência financeira do sistema com recursos do orçamento anual.

Recentemente os valores pagos com aposentadorias e pensões ultrapassaram o equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) e com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a necessidade de aportes dos cofres públicos para cobrir o “furo” da previdência fica cada vez maior. Com efeito, o governo não possui recursos suficientes para as demais áreas de gastos sociais e mesmo para investimento e ainda não consegue reduzir a carga tributária, pelo contrário, surge sempre a indicação de que o governo tem que aumentar os impostos.

O governo federal vem sinalizando com algumas medidas para amenizar este cenário, porém são medidas que surtirão efeitos no médio e longo prazo, o que indica que o desequilíbrio nas finanças públicas deverá se manter por vários anos, a menos que ocorram cortes de despesas em outras áreas.

Aumentar o tempo de contribuição, estabelecer idade mínima para aposentadoria, igualar as condições de concessão de benefícios para homens e mulheres e aumentar a alíquota de contribuição mensal são algumas das opções indicadas, porém as resistências para ocorrerem tais mudanças serão enormes e o governo não deverá conseguir avançar sem que façam um esforço muito grande para esclarecer a sociedade, o que não acredito que farão.

Mas não basta somente isto. As mudanças na previdência com o objetivo de aliviar os cofres públicos tem que vir acompanhadas de aumento do rendimento real do trabalhador associado a uma mudança na cultura financeira das famílias onde seja possível manterem seus gastos de forma digna e ainda conseguirem fazer uma reserva (uma poupança) para manterem o padrão de vida na aposentadoria, uma vez que o valor do benefício será menor do que o percebido durante a vida ativa.

Temos a compreensão que tais acontecimentos estão longe de se tornarem realidade e, com isto, sabemos que quem irá sofrer as consequências perversas dos ajustes propostos são os brasileiros mais pobres, que continuarão, cada vez mais, dependentes das vontades dos agentes políticos. Infelizmente, o ideal para todos é utópico.