terça-feira, 29 de junho de 2021

Reformas necessárias?

Entra ano e sai ano e ouvimos falar na necessidade de reformas na economia. As promessas vertem para a preservação de direitos e melhoras na qualidade de vida da população. As justificativas para as reformas são motivadas por questões econômicas e na maioria das vezes tem relação com o desequilíbrio nas contas públicas. A retórica sempre fica em torno da necessidade de uma consolidação fiscal, ou seja, de uma redução do déficit orçamentário. Estas reformas até que surgem, porém não resolvem os problemas.

Na virada para o século atual se falava em seis reformas necessárias: tributária, trabalhista, previdenciária, política, econômica e orçamentária. De lá para cá foram feitos alguns arremedos de reformas sem as envergaduras necessárias para dar muita temporalidade aos seus efeitos.

Em 2019, logo ao assumir o governo, Bolsonaro se defronta com as mesmas necessidades, sendo que assume formalmente o compromisso de implementar sete reformas: previdenciária, tributária, privatização de empresas estatais, revisão e redução dos subsídios, administrativa, autonomia do Banco Central e da liberdade econômica. Mais arremedos foram feitos.

Os grandes problemas do compromisso dos governantes com as reformas necessárias não são propriamente identificar e implementar as ações, mas negociar com os diversos setores e categorias que serão afetados pelas mudanças. É um processo quase que sanguinário, num sentido metafórico, de negociatas que desidratam as reformas de tal forma que resultam em poucos efeitos positivos na economia, colocando um prazo de validade muito curto nas suas medidas. Com efeito, alguns anos depois nos deparamos, novamente, com a cobrança por novas (velhas) reformas.

Com o objetivo de cumprir parte das promessas de campanha e aumentar a sua popularidade, o presidente Bolsonaro tenta emplacar as reformas administrativa e a tributária. A primeira já estava sendo esperada para reduzir a burocracia e tornar o setor público mais dinâmico e produtivo, bem como a eliminação (ou redução) dos supersalários identificados nos poderes legislativo e judiciário. A segunda, têm como expectativas a redução do chamado manicômio tributário e a redução da carga tributária sobre as classes baixa e média baixa.

Estas reformas irão caminhar. Porém, as propostas originais já não dão solução para os problemas existentes e ainda é possível que sejam desidratadas. Isto levará a termos a necessidade de se rediscutir estas reformas nos próximos dez anos, fato que irá ocorrer com as reformas da previdência e trabalhista aprovadas recentemente.

A reforma administrativa não dinamiza o setor público, mantém privilégios para a elite do funcionalismo e penaliza os que operam a maioria das políticas públicas, sem falar que pode dar margens para a total precarização do serviço público ao permitir o aparelhamento do estado com cargos comissionados e terceirizados.

Já a reforma tributária não simplifica nada, mas corrige a tabela do IRPF e reduz a carga tributária para as empresas. Por outro lado, esta redução de receita poderá afetar diretamente os estados e municípios. É o tipo de reforma que causa felicidade no primeiro momento, mas forçará o governo a aumentar os impostos num futuro próximo.

Estamos diante de reformas que não podem ser classificadas como cosméticas, posto que são mais vigorosas, mas que irão penalizar aqueles que mais necessitam do poder público, os mais pobres. A conta virá e todos iremos ter que pagar. Logo estaremos discutindo, novamente, as mesmas seis reformas de sempre.

terça-feira, 22 de junho de 2021

O modelo oportunista

O mercado financeiro está otimista quanto ao crescimento da economia brasileira neste ano. Como já havia antecipado, a economia irá se recuperar, independente da intensidade das políticas públicas implementadas. Isto não quer dizer que os governos não ajudam, pelo contrário, são essenciais para a retomada. A retomada seria muito tímida sem a coordenação das autoridades econômicas. É isto que se espera do governo: que coordene a retomada lançando mão de políticas econômicas que garantam a reversão da tendência do ciclo recente.

A expectativa mediana para o crescimento econômico de 2021 é de 5%, mas se não tivermos intercorrências o crescimento efetivo poderá ser ainda maior. Para isto acontecer é necessária a tal da coordenação que não pode apostar em medidas populistas, que é justamente o que estamos vendo se desenhando no cenário político brasileiro.

O presidente anunciou que o valor a ser pago aos beneficiários do programa Bolsa Família será de R$ 300, contra os atuais R$ 190. A justificativa de que o aumento do valor é necessário porque os preços dos alimentos subiram muito nos últimos meses é justa e correta. Isto não teria problema se o governo federal não estivesse passando por um período de extrema dificuldade na questão fiscal, o que faz com se pergunte: como o governo federal irá financiar este aumento de despesas?

Esta medida é considerada por muitas pessoas como sendo populista pelo fato de que no próximo ano teremos eleições presidenciais. É populista, mas é necessária. Na mesma linha populista o presidente está pretendendo conceder reajuste salarial para o funcionalismo público federal de 5%. Também é necessário, mas a pergunta é a mesma: com que dinheiro? Pois bem, o governo terá que arrecadar mais ou se endividar mais para financiar o aumento das despesas?

Segundo a regra do teto dos gastos a inflação que estamos tendo nos últimos meses será utilizada para corrigir os gastos do ano de 2021 e como ela está elevadíssima deverá abrir um espaço fiscal em torno de R$ 120 bilhões para o aumento dos gastos em 2022. Isto não significa que terá o dinheiro, mas que poderá gastar e é isto que interessa para o governo nesta altura do “campeonato”.

Outra questão que o presidente está encomendando é a revisão da faixa de isenção do imposto de renda para R$ 2,5 mil. Atualmente é de R$ 1,9 mil e a equipe econômica já considerava aumentar para R$ 2,4 mil. Outra medida necessária, mas que implica em menos receita. Como resultado da combinação destas ações de aumento de despesas e redução de receitas temos que o governo ampliará o déficit para o ano de 2022 e o risco país poderá aumentar, exigindo o aumento dos juros e colocando em risco outros fundamentos da economia.

E para piorar o cenário estamos com uma expectativa de inflação elevada que corroerá o salário dos trabalhadores aumentando as restrições orçamentárias e o desemprego se manterá elevado, pois a retomada da atividade econômica não dará conta de reempregar todos aqueles que perderam seus empregos nos últimos anos.

Os desafios são muitos para a equipe econômica e as decisões devem ser tomadas com muita responsabilidade. O grande problema é que teremos eleições novamente e, com isto, os políticos praticarão o ciclo político tradicional visando a maximização dos votos através da manipulação da política econômica. Isto não é nada bom para nossa economia, mas se depender dos políticos as soluções dos problemas da população ficam para depois, agora é hora de resolver os deles. O povo sempre tem que esperar.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Rumo a uma renda de cidadania

Há muitos anos convidei o então senador Eduardo Suplicy para palestrar num evento de Economia na FECEA. Ele havia publicado um livro que abordava a necessidade de o país ter um programa de renda mínima e esta foi a temática de sua apresentação. O assunto sempre foi polêmico e muitas pessoas faziam (e fazem) críticas asseverando que “não se deve dar o peixe, deve-se ensinar a pescar”.

Como consequência de sua militância no assunto o senador propôs e foi aprovada e sancionada a Lei Federal nº 10.835/2004, que institui a renda básica de cidadania. Nela ficou estabelecido o pagamento de uma renda mínima universal a qualquer cidadão residente no país há mais de cinco anos. Esta lei está até hoje aguardando a sua regulamentação.

Neste contexto, mesmo sem a efetiva implantação da renda básica de cidadania, tivemos uma evolução na implementação de políticas sociais com o objetivo de transferir renda para os mais necessitados. As primeiras políticas desta natureza foram implementadas no governo FHC e posteriormente potencializadas no governo Lula, sempre sofrendo críticas dos mais conservadores. O que muitas pessoas não querem enxergar é que estas políticas são comuns no mundo e não é exclusividade de países com governos progressistas.

A experiência brasileira foi exitosa e conseguiu reduzir a vulnerabilidade social. Só que as crises vivenciadas no governo Dilma trataram de agravar os indicadores sociais que resultou no aumento da pobreza no país, o que elevou o total de pessoas na pobreza para 23,3 milhões no final do ano de 2017. Em 2019 já tínhamos 24 milhões de pessoas na pobreza. Com a crise econômica causada pela pandemia tivemos o aumento de pessoas na pobreza alcançando um total de 35 milhões, segundo a FGV Social.

O pagamento do auxílio emergencial em 2020 amenizou esta situação, porém com a sua descontinuidade voltamos a ter os números agravados. Com a sua retomada, mesmo que em valores menores, tivemos a situação amenizada. Mas a pergunta que temos que fazer é: o que acontecerá quando o pagamento do auxílio emergencial encerrar?

Pois bem, por mais que algumas pessoas torçam o nariz quando se fala em auxílio financeiro a verdade é que nossa economia depende dele, assim como os seus beneficiários. O crescimento de nossa economia, assim como das demais economias do globo, dependem do consumo das famílias e com a crise econômica o PIB encolheu porque as pessoas perderam capacidade de consumo e isto precisa ser tratado com a devida prioridade e responsabilidade por parte de nossos governantes. Não se trata de pregar que o governo “sustente” pessoas que não trabalham, mas que o governo garanta um mínimo de dignidade para os mais necessitados.

Mesmo o governo Bolsonaro, que foi eleito com uma retórica liberal e reformista, se rendeu ao pagamento de auxílios financeiros para impulsionar a sua aprovação e popularidade. Nesta linha o STF já decidiu que a lei da renda mínima deve ser cumprida respeitando as regras fiscais. Com efeito o governo federal pretende regulamentar a lei este ano para poder implementar em 2022, de olho nas eleições. Ainda temos mais duas leis tramitando sobre o assunto.

Independente das distorções de objetivos o escopo das propostas converge para a ideia original de Suplicy, demonstrando que tanto os progressistas quanto os mais conservadores estão empenhados em implementar um programa de transferência de renda aos mais necessitados. Resta saber como financiarão estes programas, uma vez que a população não aguenta pagar mais impostos.

terça-feira, 8 de junho de 2021

Sentado à beira do caminho

Estatísticas divulgadas recentemente provocaram euforia nos corredores palacianos. Muitas pessoas começaram a divulgar que a economia brasileira já havia retomado o crescimento econômico e estava a “pleno vapor”. Há quem afirme que já estamos operando com os níveis pré-pandemia. As coisas não são bem assim. Estamos avançando. Porém, ainda estamos muito aquém do ideal.

O anúncio do crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2021 em 1,2% colocou os governistas em estado de êxtase. O resultado foi muito bom, tanto que as expectativas de mercado quanto ao crescimento da economia neste ano aumentaram dos 3,96% da semana passada para 4,36% nesta semana. Há quem acredite que o crescimento acumulado no ano possa chegar a 5,5%.

Porém, nem tudo são flores. Não podemos nos entusiasmar e afirmar que o governo está conduzindo a política econômica para viabilizar a retomada do crescimento sustentável. Ele está fazendo algumas coisas que estão contribuindo para isto, mas poderia ter feito (e estar fazendo) muito mais.

Afirmar que estamos operando em níveis do período antes da pandemia é um erro metodológico. Os indicadores não apontam para isto. Embora o crescimento no primeiro trimestre do ano seja muito bom o acumulado nos últimos quatro trimestres apontam para uma queda do nível de atividade em 3,8%. Portanto, ainda há muito para se recuperar. O que impulsionou o crescimento no trimestre citado foi o investimento privado, que cresceu 4,6% em relação ao trimestre anterior, e as exportações agrícolas que impediram que nossa balança comercial fosse muito deficitária no período.

O grande combustível do PIB sempre foi o consumo das famílias que, na média dos cinco anos que antecederam a pandemia, representava 64,4% do PIB. Em 2020 caiu para 62,7% e no primeiro trimestre de 2021 representou 60,2%. É evidente que a descontinuidade do auxílio emergencial foi responsável por esta retração no consumo das famílias. Se não ocorresse a interrupção o resultado poderia ser de um crescimento maior no período. Demorou, mas retomou e este resultado será considerado no segundo trimestre e garantirá um crescimento maior.

Mesmo assim não conseguiremos retornar aos níveis pré-pandemia no curto prazo. Levará mais tempo para isto. Se nossa economia crescer os 4,36% projetados pelo mercado financeiro retornaremos ao nível de PIB real de dezembro de 2019, porém os demais indicadores não retornarão. A análise não é tão simples assim.

Se ampliarmos o escopo da análise desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, passando por Temer e chegando em Bolsonaro, de 2014 a 2020 temos um encolhimento do PIB na ordem de 5,9%. Com o crescimento previsto para 2021 ainda teremos uma queda acumulada de 1,8%.

Na mesma linha a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que o Brasil levará 2,75 anos, ou seja, quase três anos para retornar ao PIB per capita real igual aos níveis do quarto trimestre de 2019. Assim, podemos considerar que este indicador será normalizado somente no final de 2022. Isto se não tivermos nenhuma intercorrência.

O cuidado com a economia inspira muita responsabilidade e atitude. Desta forma, podemos concluir que nossa economia está retomando o crescimento econômico, sim. Porém, há muitas coisas para além do crescimento. Temos que recuperar os empregos e a renda real dos trabalhadores e tirar milhões de pessoas da extrema pobreza. E isto não acontecerá sem uma forte atuação dos governos. Não basta ficar sentado à beira do caminho. Ainda tem muita coisa a ser feita.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Há muito a ser feito

Como sempre tenho afirmado, a economia irá se recuperar. É claro que depende da forma de condução das políticas públicas, em especial do conjunto das políticas econômicas, porém é natural que os agregados econômicos respondam positivamente aos eventos e estímulos externos. É bem isto que está acontecendo: muitas economias do globo estão retomando o nível de atividade e estamos se beneficiando destes movimentos.

Temos méritos internos de muitas ações de governos estaduais e municipais no combate a pandemia e na proteção ao setor produtivo. Muito pouco é mérito das ações do governo federal, até porque muito pouco está sendo feitos neste nível. Pelo contrário, conforme o economista Márcio Pochmann citou, estamos vivenciando um apagão oficial na geração de dados estatísticos de responsabilidade do governo federal. Estas estatísticas deveriam subsidiar a elaboração de políticas públicas para os próximos anos, mas isto também se prejudicará pela inércia governamental.

Estamos vivenciando um período onde o binarismo está prevalecendo. Temos o obscurantismo do governo (ou do governante) de um lado e movimentos progressistas, de outro. Ambos os lados possuem seus defensores, só que a violência nas suas ações estão se evidenciando e muitas pessoas que gostariam de participar do debate político recuam para não serem atingidos pelas ondas de intolerância que podem surgir de qualquer lado. Exemplos temos aos montes e ocorrem quase todos os dias.

Mesmo com tudo isto, estamos avançando. O IBGE divulgou o resultado das contas nacionais trimestrais referentes ao primeiro trimestre de 2021. A economia dá sinais de que está começando a se recuperar. No primeiro trimestre de 2021 o PIB cresceu 1,2% comparado com o último trimestre de 2020. Na comparação ao mesmo período do ano anterior o crescimento foi de 1%. A notícia é muito boa, mas deve ser comemorada com moderação, pois o acumulado nos últimos quatro trimestres ainda aponta para uma queda de 3,8%.

Também temos que atentar para os agregados que puxaram este desempenho. Os dois grandes motores históricos de nosso PIB, o consumo das famílias e os gastos governamentais apresentaram queda de desempenho no trimestre, -0,1% e -0,8%, respectivamente. Da mesma forma, a balança comercial se apresentou deficitária pelo forte crescimento das nossas importações.

O destaque ficou por parte do investimento privado, constituído pela formação bruta de capital fixo e pela variação de estoques. O seu crescimento foi de 4,6% no primeiro trimestre do ano. É bom, pois indica que o setor privado está voltando a investir no setor produtivo, mas temos que acompanhar se este movimento não será reduzido pelo aumento dos juros básicos de nossa economia que possui expectativa de atingir 5,5% até o final do ano.

Os resultados dos gastos governamentais contribuíram para a obtenção de superávit primário nas estatísticas fiscais do mês de abril e no acumulado no quadrimestre. Mas as expectativas ainda persistem em déficit primário equivalente a 3% do PIB para o ano de 2021. É questão de tempo para que o governo abra os cofres para a gastança rumo ao desequilíbrio persistente nas contas públicas.

Mesmo assim as expectativas acerca do crescimento da nossa economia em 2021 já estão girando na mediana de 3,96%. Há que aposte em crescimento em torno de 5%. É possível que tenhamos um bom desempenho, porém temos que ter cautela e ficarmos atentos aos próximos movimentos de políticas públicas. Há muito a ser feito antes de termos a certeza de uma melhora sustentável.