quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Aos trancos e barrancos

O governo federal vem, aos trancos e barrancos, tentando criar os seus próprios programas, mas parece que a capacidade de concepção de políticas públicas da equipe de Bolsonaro está em baixa. Isto acontece porque tudo esbarra na “aba” do Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, que apresenta discurso liberal.

Os grandes desafios para os policy-makers bolsonaristas são os de garantir o financiamento de suas propostas, o que contrasta com o desequilíbrio nas contas públicas e os riscos de manter o déficit fiscal. Estes riscos são muitos e todos levam para o aumento no risco-país e aos impactos diretos e indiretos do déficit fiscal sobre o nível de atividade, que pode desacelerar a geração de emprego e, com isto, afetar a massa salarial.

As propostas de reformulações das políticas públicas do governo federal começam, basicamente, pelo rebatismo. O Bolsa-família passará a se chamar Renda Brasil e o Minha Casa, Minha Vida passará a ser o programa Casa Verde Amarela. Para além da mudança dos nomes dos programas as alterações estruturais ainda estão em gestação e ainda não se sabe se terão suas ações, abrangências e benefícios potencializados.

O sucesso destas mudanças, com a manutenção (ou aumento) da aprovação do governo, somente ocorrerá se melhorar a qualidade de vida da população. E isto depende da retomada do crescimento da economia. Governistas de plantão irão afirmar que a economia já retomou o crescimento. Só que não.

O que está ocorrendo é uma reversão do processo de queda da economia, ou seja, o período de recessão está se arrefecendo e o comportamento do PIB está começando a sofre uma reversão. O PIB de 2020 irá ter uma evolução negativa em comparação com o PIB de 2019. Não tem mais como evitar isto. A expectativa é que nossa economia encolha entre 4,5% e 5,5%. Com isto, é claro que teremos aumento do desemprego.

Embora nossos agentes políticos estejam comemorando os saldos positivos na geração de empregos apresentados com a divulgação do CAGED de julho, onde nossa economia teve um saldo positivo de criação de emprego de 131 mil postos de trabalho, não podemos esquecer que no acumulado do ano tivemos o fechamento de 1,09 milhão de postos de trabalho. Isto no mercado formal. Se considerarmos o conjunto da sociedade os danos causados pela crise são maiores e devem ser estudados com profundidade.

Se considerarmos os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, identificaremos dados alarmantes. A estimativa de pessoas empregadas no segundo trimestre de 2020 apresentou redução de 5,9 milhões de pessoas na comparação com o primeiro trimestre do ano. Na comparação com o mesmo trimestre de 2019 a redução foi maior, quase 10 milhões. Os mesmos movimentos são identificados com os quantitativos de empregadores, de trabalhadores por conta própria e dos trabalhadores familiares auxiliares.

Assim, podemos afirmar que estamos diante de uma forte crise de ocupação que poderá não ser revertida no curto prazo, se considerarmos os ganhos de produtividade que estão sendo apontados com o teletrabalho. Com isto, teremos um maior desemprego em regiões onde o nível de escolaridade e de qualificação da mão de obra sejam menores.

Daí a importância na elaboração de políticas sociais eficientes que garantam a assistência e cobertura ampla da maioria das pessoas que ficarão excluídas do mercado de trabalho por conta da nova crise que está em formação. Paulo Guedes terá que ser menos liberal e o governo, como um todo, mais competente. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Flerte fatal

Nas últimas semanas o governo Bolsonaro tem experimentado um aumento significativo de sua aprovação e isto está sendo atribuído especificamente a uma modulação na retórica do presidente e a uma tendência de melhora da economia lastreada pelos impactos do auxílio emergencial pago por conta do estado de pandemia.

Com efeito, temos que há uma melhora nas expectativas de desempenho da economia que, na sua mediana, prevê uma queda de 5,5%, sendo que chegou a atingir uma expectativa de queda de 6,6%. A economia está respondendo positivamente, porém isto não significa que os danos da crise não serão perversos e de que não demorará muitos anos para se recuperar totalmente e voltar aos níveis em que estava operando antes da crise.

Este cenário de melhora das expectativas não tem relação com as habilidades técnicas e políticas do governo, até porque inexistem tais habilidades. A modulação na retórica tem vinculação com um claro instinto de sobrevivência que levou o próprio presidente Bolsonaro a amenizar seu discurso radical quanto a muitos aspectos comportamentais e econômicos, com passagem importante pelo negacionismo da gravidade da pandemia. Ele deixou o discurso enfatizando questões mais radicais e promoveu uma aproximação estratégica com o chamado Centrão, lançando mão de práticas combatidas durante a campanha eleitoral.

Mas o que tem tido efeito mais significativo na melhora da avaliação do governo é o pagamento do auxílio emergencial. A intenção do governo era de pagar um auxílio menor no valor e abrangência, porém isto foi potencializado na Câmara dos Deputados e veio a se tornar a principal medida para amenizar os efeitos da crise econômica causada pela pandemia.

Com o pagamento do auxílio emergencial a miséria em nosso país diminuiu porque muitas pessoas e famílias que acessaram o benefício passaram a contar com mais recursos do que antes, uma vez que muitas destas pessoas e famílias tinham renda inferior aos R$ 600 que estão sendo pagos pelo governo. Isto também se aplica a milhões de brasileiros que estão desempregados e sem renda nenhuma.

O governo percebeu que o programa proporcionou uma melhora de vida de milhões de brasileiros que antes não tinham renda e que passaram a ter dinheiro para poder por comida na mesa. Naturalmente, estas pessoas passaram a apoiar o governo e isto despertou o interesse na manutenção do auxílio emergencial. Tudo isto motivado não pelo interesse e necessidade de se ter uma política de apoio aos pobres e miseráveis brasileiros, mas tão e somente com o interesse de manter o nível de aprovação do governo.

A grande questão que tem que ser resolvida é a sustentabilidade deste programa diante do risco de rompimento do teto de gastos, que é a principal âncora fiscal que busca amenizar nossa situação econômica. Isto é posto porque o governo federal não tem margem fiscal para aumento de despesas. Não tem sequer para a manutenção do nível de gastos que está tendo neste ano, mas neste caso é excepcional por conta do estado de emergência.

A sobrevivência política do governo depende da melhora da economia e já está claro que isto ocorrerá de forma mais rápida com a manutenção do pagamento do auxílio emergencial que é destinado na sua integralidade para o consumo das famílias. Só que a manutenção do nível de gastos do governo é um flerte fatal com o aumento do endividamento e com o rompimento do teto de gastos. E se isto acontecer teremos uma segunda onda da crise econômica que será fatal para o governo federal e para todos os brasileiros.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Qual é a agenda?

Em entrevista recente o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, apresentou como necessário e normal o aumento dos gastos públicos no período da pandemia. Isto ocorreu no mundo inteiro e não poderia ser diferente no Brasil. Caso o governo brasileiro não expandisse os gastos para socorrer a queda de arrecadação de estados e municípios e mesmo para os auxílios assistenciais a pessoas e empresas a crise econômica estaria sendo muito mais profunda.

O diferencial neste contexto econômico é a situação gravíssima das finanças públicas que apresenta situação deficitária desde 2014 e há uma projeção de que voltemos a ter as contas no “azul” somente em 2033. Isto se o governo federal retomar a agenda pré-crise, ou seja, mantendo o compromisso com a busca do equilíbrio fiscal com a retomada do teto dos gastos e o gerenciamento responsável da dívida. Trata-se de missão muito difícil, porém, não impossível.

A situação econômica do nosso país é muito delicada, porém, como tenho afirmado em várias ocasiões, a economia se recupera. Até pelo fato dela se comportar de forma cíclica. Entretanto, não podemos descuidar disto e daí a importância em se retomar a agenda de compromisso com a busca do equilíbrio fiscal. E para isto, também se faz necessária a retomada das reformas estruturantes para nossa economia: a tributária e a administrativa.

Porque a insistência em apontar a necessidade de uma reforma administrativa? Pelo simples fato de que há a necessidade de se aumentar a produtividade do setor público. Não se trata de uma “ladainha”, mas da necessidade de se aumentar a produtividade brasileira em todos os níveis. É sabido por todos que nossa produtividade está muito aquém da produtividade das principais economias do mundo, porém no discurso de nossos agentes políticos é apontada nossa importância e relevância no contexto internacional.

Concordo, somos importantes e relevantes, mas poderíamos ser mais, uma vez que temos abundância em recursos naturais e vasta mão de obra disponível. Para isto temos que melhorar nossa produtividade. Mas será que isto está na agenda de nossos políticos? Será que está na agenda dos governos? A construção de ações para a busca constante do aumento da produtividade deveria compor uma política de estado e não ser utilizada em frases de efeitos nos discursos dos políticos.

Neste contexto temos a necessidade da reforma administrativa do setor público, pois sem ela não teremos perspectivas favoráveis para o financiamento das políticas públicas no médio e longo prazo. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Millenium, no ano de 2019 a folha de pagamento do funcionalismo público federal, estaduais e municipais atingiu o valor de R$ 928 bilhões. Este valor equivale a 13,7% do PIB, a 3,5 vezes o gasto com saúde e o dobro do gasto com educação.

O estudo é interessante e deve ser esmiuçado pelas pessoas para conferir a composição e detalhamento dos gastos com pessoal do setor público brasileiro. Mas não podemos desconsiderar que muitas atividades do setor público são intensivas em mão de obra, daí o volume elevado de gastos com pessoal. Porém, mantidas as taxas de crescimento das despesas e receitas e a manutenção ou mesmo o aumento das vinculações as contas públicas podem ficar diante de uma armadilha de insolvência. Por isto a necessidade de termos uma reforma administrativa no setor público. Mas em qual agenda este compromisso deve estar? Este compromisso deve compor a agenda de todos os governos: do federal, dos estaduais e dos municipais.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

O problema local do desemprego

Uma das maiores preocupações econômicas que as pessoas possuem é com o desemprego. Estamos vivenciando um período de crise econômica causada por uma pandemia mundial. Com esta crise o país já fechou mais de 1,19 milhão de empregos formais. Novos desempregados que se somam aos mais de doze milhões que eram contados no final do ano passado.

E a tendência é de o desemprego aumentar nos próximos meses. Com isto os danos para as famílias brasileiras serão muito grandes. Neste momento as cobranças se voltam para o governo federal, que é responsável pela elaboração e implementação de políticas econômicas para combater a crise com a retomada do crescimento econômico.

E é isto mesmo que acontece: o governo federal é que tem que tomar as medidas emergenciais para buscar soluções para o desemprego. Situação confortável para governadores e prefeitos, pois eles podem construir narrativas tentando colar toda a responsabilidade no governo federal.

Mas se isolarmos os eventos recentes que abalaram o mercado de trabalho brasileiro e fizermos uma análise dos últimos três e sete anos, onde governos estaduais e municipais podiam ter construído políticas públicas para a geração de emprego e renda, identificaremos que estes agentes políticos também devem compartilhar responsabilidades com o governo federal acerca do nível de emprego e de desemprego.

Em 2013 nossos país possui 48,9 milhões de trabalhadores empregados no mercado formal. Já em 2016 o volume de trabalhadores formais caiu para 46,0 milhões. Um aumento estrondoso no desemprego. Em 2019 passou para 47,3 milhões. No Paraná, neste mesmo período o mercado formal de emprego ficou estável em 3,1 milhões de empregados.

Já numa análise da nossa microrregião, que engloba nove municípios, podemos verificar que as coisas não caminharam tão bem assim. Em 2013 a microrregião de Apucarana possui 90,0 mil empregos formais que foi reduzido a 85,5 mil em dezembro de 2019. Foram 4.509 postos de trabalho fechados. Milhares de famílias empobreceram pela queda na renda.

Nos primeiros seis meses do ano tivemos o fechamento de 1.609 postos de trabalho, mas estes foram por causa da crise econômica causada pela pandemia do coronavírus. Mas e os empregos perdidos nos últimos sete anos?

No estado do Paraná o emprego formal ficou estável no período de 2013 a 2019, mas ocorreram oscilações nas diversas regiões que dependeram da dinâmica dos setores econômicos, mas também dependeram das ações de nossos agentes políticos em atrair empresas, capacitar a mão-de-obra, de melhorar a oferta de serviços de saúde e da melhora da qualidade do sistema educacional.

Não quer dizer que isto não tenha ocorrido em todos os municípios, mas naqueles em que o desemprego foi mais vigoroso os questionamentos devem ser feitos, sim. Na análise dos últimos três anos temos que o cenário do emprego melhorou na região com a criação de 2.828 postos de trabalho, porém no agregado dos últimos sete anos os nossos agentes políticos estão devendo empregos para a população. 

Tem muitas pessoas, principalmente os apaniguados de plantão, que irão falar que prefeitos e governadores não conseguem gerar empregos. Diretamente, é claro que não, mas com políticas públicas específicas de atração de empresas e de capacitação profissional é possível garantir os empregos. Se não com a abertura de novas empresas, pelo menos com a manutenção das existentes. O desemprego está aumentando na região não somente por causa da pandemia e isto deve ser discutido e cobrado de nossos agentes políticos.