terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Anos difíceis

Quando tentamos analisar o ano de 2020 somente sobre a perspectiva econômica e se faz comparações com os dados históricos mais simples e acessíveis podemos compreender claramente a dimensão da crise econômica deste ano. Este foi mais um dos anos difíceis que os brasileiros presenciaram nas últimas décadas.

Em questão de variação percentual este ano teremos a maior retração do PIB dos últimos 59 anos. Muitos brasileiros não presenciaram situações tão ruins para a evolução da atividade econômica anual. Em 1981 a atividade econômica encolheu 4,25%, terceira maior queda desde o ano de 1962. Depois, no ano de 1990, a queda foi de 4,35% e de lá até a crise fiscal que se iniciou no ano de 2014 nossa economia experimentou o chamado “voo de galinha”, termo utilizado para representar movimentos de aumentos seguidos de quedas.

Nos anos de 2015 e 2016 nossa economia encolheu, respectivamente, 3,55% e 3,28% e com isto se iniciou um novo período em que os brasileiros têm, novamente, que “correr atrás do prejuízo”. No final de 2016 nossa economia havia arremetido o PIB aos níveis do ano de 2010, ou seja, andamos para trás. Isto é muito ruim, uma vez que o PIB é uma das formas de representar a riqueza de um país. Com isto, temos menos recursos disponíveis contrastando com uma população que não para de crescer. O resultado desta combinação é uma piora da qualidade de vida da população. O empobrecimento do país.

Nossa economia estava num novo “voo de galinha”, tentando tomar impulso nos anos de 2017 a 2019, quanto já estávamos com o PIB nos níveis do ano de 2012. Porém a crise de 2020 está levando o PIB para trás, novamente. Voltamos aos níveis do PIB real do ano de 2010.

As soluções não são fáceis de serem implementadas, pois os maiores problemas atuais da economia brasileira são o alto endividamento público e o déficit fiscal persistente. Mesmo se não tivéssemos a crise econômica de 2020 ainda estaríamos tendo anos difíceis, mas se recuperando. A exemplo do que ocorreu nas décadas de 1980 e 1990.

Porém, os cenários de curto e médio prazos não são nada otimistas quanto à reversão deste cenário. A administração pública de forma geral tem muita dificuldade para fazer ajustes fiscais. E quando se fala em ajuste fiscal não quer dizer que se deve cortar despesas em todas as áreas, mas sim racionalizar os recursos e aplicá-los de forma eficiente e efetiva, como estabelece a Constituição Federal. Mas, diferentemente disto, quando necessário vemos os gestores públicos efetuando cortes de gastos nas áreas sociais e mantendo as atividades discricionárias.

A expectativa sobre a dívida líquida do setor público é que ela cresça nos próximos anos, em relação ao PIB, e isto se manterá pelo fato de que as expectativas sobre a atividade econômica continuarão sendo de baixo crescimento. Na mesma linha, o equilíbrio fiscal não deve ocorrer nos próximos anos, tendo a expectativa de resultados primários deficitários para os próximos cinco anos.

Isto deve se replicar para os estados e municípios e a gestão pública deverá ser realizada com muita responsabilidade nos próximos anos, como já deveria ter ocorrido nas décadas passadas. Diante de tudo isto o controle social sobre a gestão pública deve ser potencializado. Todos os cidadãos devem monitorar, fiscalizar e cobrar os gestores públicos para que apliquem com eficiência e eficácia os recursos públicos em favor da população. Infelizmente não é isto que ocorre, mas ainda dá tempo de começar para evitar que os próximos anos sejam difíceis para todos nós.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Empate técnico

O jornalista José Nêumanne Pinto afirmou, em análise dos dois primeiros anos de mandato, que o governo Bolsonaro é o pior governo da história da república. A opinião dele está lastreada na avaliação que concluiu que doze medidas políticas e econômicas que foram anunciadas durante o processo eleitoral de 2018 não foram nem iniciadas até o presente momento.

Nesta avaliação foram elencados o não cumprimento de promessas na área econômica, como: o programa de renda mínima, redução de carga tributária, alíquota única de imposto de renda, redução de renúncia fiscal e realização de privatizações para redução da dívida pública. Realmente nada disto foi feito. Entretanto, não podemos computar os dois anos, haja vista que o ano de 2020 foi um ano atípico, com uma crise econômica e sanitária combinadas sem precedentes.

Mas nada disto foi iniciado no ano de 2019. Pior, sequer foi discutido. Isto “per se” já é o suficiente para tipificar o governo Bolsonaro como letárgico na área econômica. É claro que outras coisas foram implementadas, entretanto a análise utiliza o que foi prometido e, com base nisto, o governo não cumpriu os seus compromissos para a área econômica.

Pode até ser que em 2021 ou 2022 eles comecem e até terminem de cumprir com os compromissos, porém é muito pouco provável que tenham condições técnicas, conjunturais e políticas para promover tantas mudanças em tão pouco tempo.

O jornalista, ao classificar o governo como o pior parece que se esqueceu do governo Dilma que, para muitos, foi o pior governo da história da república. Mas tem muitas pessoas que consideram o governo Dilma um governo progressista, humano e que cumpriu ao que se propôs. Mas o mesmo pode ser dito do governo Bolsonaro: se para alguns é o pior, para outros é considerado muito bom. Basta ver os índices de aprovação.

Mas o que é certo é que muito pouco se propôs e se fez e muito se falou. Inclusive as falas do presidente, assessores e seguidores sempre se colocaram carregados de posições ideológicas conservadoras tanto na área econômica quanto na parte humana.

Pois bem, considerando os índices de aprovação do governo Bolsonaro não podemos afirmar que é o pior governo da história da república, porém os compromissos alardeados devem ser cumpridos para que nossa economia possa retomar o crescimento econômico. Tarefa difícil após um ano de 2019 com crescimento muito baixo e com a retração de cerca de 4,4% em 2020. A economia irá crescer nos dois próximos anos, desde que não ocorram novos eventos imprevisíveis, mas não serão suficientes para dizer que o governo Bolsonaro foi bom neste mandato na área econômica.

Similarmente ao governo Dilma o de Bolsonaro enfrentou déficits fiscais gigantescos, porém uma parte deste déficit é consequência do flerte do governo Dilma com a irresponsabilidade fiscal. Mas o déficit foi intensificado em 2021, e não poderia ter sido diferente, para garantir os auxílios emergenciais para diversas categorias de trabalhadores e empreendedores. Porém há um interesse dos agentes políticos de manterem os gastos excessivos, o que poderá dissolver qualquer chance de sucesso do governo na área econômica.

A situação do governo Bolsonaro com relação a área econômica é muito delicada, porém classifica-lo como sendo o pior governo da história é um pouco de exagero. Teremos que aguardar as próximas ações do governo. Por enquanto podemos dizer que está um pouco melhor que o de Dilma. Na pior das hipóteses um empate técnico. Tudo se mostrará nos próximos meses. Resta-nos torcer pelo melhor.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Um descaso com a educação

Com o objetivo de valorizar a carreira dos professores da educação básica o governo federal, no ano de 2008, sancionou Lei Federal que estabelece o piso nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Esta lei regulamenta o texto constitucional que trata do estabelecimento de remuneração “condigna” aos trabalhadores da educação. O termo “condigna” significa justa, adequada, merecida.

O que é estarrecedor é que passado todos estes anos ainda temos prefeituras que não cumprem a lei e não remuneram condignamente seus professores. Esta notícia veio através de levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e divulgado recentemente que aponta que somente 60% das prefeituras paulistas respeitam a legislação e pagam o piso salarial estabelecido. Isto significa que das 645 prefeituras do estado de São Paulo 252 desrespeitam a lei.

A alegação dos prefeitos para o não cumprimento do estabelecido na legislação é que as finanças públicas dos municípios passam por dificuldades e por conta disto não é possível pagar os salários com base no piso nacional. Isto não passa de desculpas “esfarrapadas”, pois se é lei deve ser cumprida e ponto. As prefeituras sempre tiveram o apoio financeiro dos governos estadual e federal para fazer frente as suas despesas e o não cumprimento desta legislação não passa de tergiversação para direcionar os recursos para outras despesas.

No estado do Paraná, segundo dados do ano de 2017, cerca de 56 prefeituras das 396 pesquisadas não respeitavam a legislação e pagavam salários inferiores ao piso nacional. É possível que pouca coisa mudou nos últimos anos e que este cenário continue com prefeitos de municípios paranaenses desrespeitando a lei, a exemplo dos 252 prefeitos de cidades paulistas.

Se a alegação das prefeituras que cometem tais ilegalidades são dificuldades financeiras a situação poderá piorar em 2021, pois o governo federal, através do Ministério da Educação, divulgou em novembro deste ano que ocorrerá uma redução de 8% no valor do custo/aluno. Este valor é a base para os repasses federais para os estados e municípios como complemento para cobrir as despesas com educação.

No levantamento citado a maior incidência de não cumprimento do piso recai sobre municípios pequenos, sendo que dos 252 somente 15 são de porte médio. O mesmo deve acontecer nos outros estados. Mas é justamente nos municípios pequenos que ocorre a maior dependência dos repasses de estados e governo federal e nisto os prefeitos não podem reclamar, pois os auxílios financeiros foram abundantes nos últimos anos.

Porém para os próximos anos este cenário irá mudar e os repasses dos estados e governo federal para os municípios poderão não ter um crescimento real, porém as despesas estão aumentando a cada ano que passa criando uma conjuntura adversa para as finanças públicas que não foram geridas com a devida responsabilidade e visão de futuro.

Este é um dos papéis fundamentais dos vereadores, o de fiscalizar o executivo. Se os vereadores dos municípios que se encontram em dificuldades financeiras tivessem cumprido com suas atribuições fiscalizatórias de forma efetiva é possível que muitos destes problemas não existissem e as respectivas populações não estariam se privando da ação efetiva do poder público municipal em todas as áreas. Por isto a importância da função dos vereadores em fiscalizar efetivamente o executivo. Esperamos que os eleitos cumpram com esta função, para o bem de toda a sociedade e fim do descaso com a educação.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A inércia do bem

O ano está se encerrando e 2021 já inspira cuidados especiais, principalmente com o financiamento das políticas públicas. As finanças públicas nunca tiveram em situação tão ruim como nos dias atuais e os mandatários dos executivos municipais, estaduais e federal terão muitas dificuldades para atingir os objetivos da gestão e as expectativas da sociedade.

Por mais que os governantes tentem transmitir que a situação está sob controle, se analisarmos pela perspectiva dos cidadãos comuns, temos a convicção de que isto não é totalmente verdade. O governo federal não terá superávit primário até o ano de 2030, o que implica que terá que financiar boa parte de suas ações e isto gerará aumento de taxa de juros, aumento de inflação, baixo crescimento e a manutenção do desemprego em níveis elevados.

Muitos governos estaduais terão receitas suficientes para manter a folha de pagamento do funcionalismo e as despesas vinculadas com saúde e educação sem novos investimentos e podemos considerar que a mesma situação deverá ocorrer com a maioria das finanças públicas municipais.

Neste contexto de caos fiscal é necessário que se busquem alternativas para racionalizar as despesas, melhorando a qualidade do gasto público de forma geral. Em 2020 teremos uma inflação acima da meta estabelecida pelas autoridades econômicas e para os próximos quatro anos ela deve se manter acima dos 3%. Já o crescimento econômico ficará na média dos 2,5% nos próximos quatro anos, após uma queda de cerca de 4,4% em 2020.

Isto significa que as taxas de crescimento dos próximos anos serão em cima de uma base reduzida por conta da crise de 2020 e a base tributária não crescerá em termos reais, fazendo com que a arrecadação do setor público também não cresça. Isto acontecerá com o governo federal, com os governos estaduais e com os municipais. Portanto, os agentes políticos que prometeram prosperidade acima do normal a partir de 2021 não conseguirão cumprir.

As despesas aumentarão por conta da inflação e as receitas não, isto significa que o setor público, mantendo a média de eficiência (ou ineficiência) dos seus gastos, entregará menos serviços e bens públicos para a sociedade. A qualidade de vida da sociedade deverá piorar, principalmente para os mais pobres, que dependem das ações dos governos.

Neste contexto, além da competência das equipes técnicas dos poderes executivos a sociedade também necessitará do efetivo trabalho dos poderes legislativos. Senado Federal, Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras de vereadores terão uma importância cada vez maior para tentar garantir a proteção da sociedade.

Em 2020, os brasileiros elegeram mais de 58 mil vereadores que passarão a exercer suas funções no meio da tentativa de retomada do crescimento econômico e no auge da crise fiscal de todo o setor público. Neste contexto a importância do papel dos vereadores se potencializa. Entretanto, os eleitos devem se atentar para a tentativa de cumprimento das funções típicas dos vereadores, uma vez que é muito comum eles se concentrarem em funções que nem são do legislativo.

As funções típicas dos vereadores são legislar e fiscalizar. Podem fazer mais. Podem fazer requerimentos e indicações para o executivo, porém o que a sociedade precisa é que eles priorizem suas funções típicas. A inércia política é danosa para a sociedade e ela não pode acontecer. Os próximos anos serão muito difíceis e a sociedade irá precisar de um setor público racional e eficiente. E isto somente ocorrerá com o apoio do legislativo.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O monstro está de volta

Como todos já sabem a economia funciona em ciclos onde se alterna períodos de prosperidade, estagnação, recessão e depressão. É comum os formuladores de políticas econômicas buscarem alternativas para evitar as três últimas fases, porém a economia não é uma ciência exata e não existem “fórmulas mágicas” para estabilizar os fundamentos da economia.

Sempre o principal agente a anunciar medidas e soluções para os problemas econômicos é o ministro da Fazenda (atual ministro da Economia). Quando este personagem começa a não ter as soluções é comum outros agentes surgirem para comentar as questões de conjuntura econômica. Isto já aconteceu inúmeras vezes quando o ministro da Fazenda deixa o protagonismo, que passa a ser exercido pelo presidente do Banco Central ou mesmo outro ministro de estado.

O ministro Paulo Guedes está vivenciando este. Suas aparições começaram a não trazer muita confiança para os agentes políticos e para o mercado. Este desgaste é motivado pela incapacidade do governo de controlar a escalada dos preços que já começa a incomodar as classes mais pobres do país. De janeiro a outubro deste ano a inflação acumulada, medida pelo IPCA, está baixa, 2,22%, porém o grupo de alimentação e bebidas teve um aumento de 9,37%. Isto faz com que os mais pobres e os assalariados, que tiveram reajustes salariais limitados aos índices gerais de inflação, perderem poder de compra, perder qualidade de vida, pelo simples fato de acessarem quantidades menores destes produtos essenciais.

O subgrupo de alimentação no domicílio ficou maior para o período, 11,97%. E as perspectivas não são nada boas. Os preços da soja, milho, trigo e carnes tendem a se manterem em alta o que indica que a alimentação continuará pressionando os brasileiros assalariados e para os mais pobres.

Com o mesmo comportamento temos o IGP-M com um acumulado de 18,1% de janeiro a outubro e com expectativa de fechar o ano com um acumulado de 23,6%. Este indicador não é utilizado para corrigir salários e nem benefícios pagos pelo governo. Ele é utilizado para efetuar ajustes anuais em contratos de aluguel e outros contratos como energia elétrica, telefonia, seguros e planos de saúde. Mais um motivo de preocupação para os assalariados e, neste caso, também para a classe média.

O mostro da inflação está de volta de uma forma disfarçada, uma vez que não é o índice geral que preocupa, mas o índice apurado para o grupo de alimentos e bebidas. No acumulado geral a expectativa é que a inflação acumulada, medida pelo IPCA, fique em 3,54%, o menor desde 2017. Porém, os preços dos alimentos preocupam e soma-se a esta preocupação a incapacidade que o governo tem de estender o pagamento do auxílio emergencial com a mesma intensidade que em 2020 e o aumento do desemprego com uma retomada tímida da atividade econômica.

O governo federal está diante de uma situação conjuntural adversa e precisa de soluções imediatas para salvar o que resta da popularidade do presidente. Sem medidas efetivas para a retomada do crescimento da economia as contas públicas continuarão deficitárias e devem retomar ao equilíbrio somente em 2030, ou seja, passaremos todo o governo Bolsonaro e os próximos dois mandatos com déficit primário e sem perspectivas para melhora na economia a partir de ações estruturantes do governo federal.

Muitos governistas e defensores do presidente podem achar que as coisas estão boas, só que não estão. Resta saber o que os nossos agentes políticos estão pensando como soluções efetivas para estes problemas.