quarta-feira, 29 de julho de 2020

O garrote

Recentemente me perguntaram se a nossa economia já está se recuperando da crise econômica. Pois bem, a resposta que tenho dado para esta pergunta é que a economia irá se recuperar, sim. Pode até demorar, mas a economia se recupera. 

Toda economia vive em ciclos que começam com um período de recuperação ou prosperidade seguidos pelos períodos de desaceleração e estagnação. Daí que entra a capacidade das autoridades econômicas e de nossos agentes políticos de tentarem impedir que os ciclos entrem no período de recessão que, se agravado, se torna depressão.

É no momento da desaceleração ou mesmo da estagnação que os governantes e suas respectivas equipes econômicas devem implementar políticas públicas e mesmo reformas visando romper o ciclo atual e iniciar um novo, através do início de uma nova fase de recuperação.

Em menos de quinze anos passamos por três crises econômicas profundas. Tivemos a crise financeira internacional de 2008 que derrubou a atividade econômica mundial, fazendo muitas economias entrarem em recessão. Naquele momento a economia brasileira estava no final de um período de crescimento vigoroso e sentimos pouco os efeitos desta crise. Não gerou recessão, mas desacelerou nossa economia.

Logo em seguida tivemos o início da crise fiscal brasileira, marcada pelo desajuste nas contas públicas com déficits fiscais sucessivos e vigorosos que se agravaram no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Foi um período marcado pela total irresponsabilidade de nossos governantes o que levou nossa economia para a recessão por dois anos consecutivos.

O processo de retomada foi lento, pois as respostas por parte do governo de efetuar os ajustes e reformas necessários não foram o suficiente para aumentar a confiança dos investidores internos e nem externos.

A expectativa era de que no ano de 2020 nossa economia iria crescer em torno de 2,5% e daí sim poderíamos dizer que tínhamos recuperado e já estávamos com os indicadores melhores. Na verdade, encerramos o ano de 2019 com o PIB nos mesmos níveis do que tivemos no ano de 2012. Isto por si só demonstra que a recuperação de uma crise econômica pode levar anos.

Com a crise econômica causada pela pandemia da Covid-19 a expectativa é que nossa economia encolha cerca de 5,77% em 2020. Com isto, o nosso PIB recuará ao valor equivalente ao PIB que tínhamos em 2010. Desta forma, podemos considerar que estamos diante de mais uma “década perdida”.

A economia não apresentará crescimento em dez anos, porém a população neste período cresceu e, com isto, a estatística que demonstra o grau de riqueza de uma economia, se deteriorou. Nossa economia, que tinha experimentado avanços significativos no período de 1994 a 2006, fazendo com que tivéssemos melhoria da qualidade de vida da população, agora está fazendo o caminho inverso: estamos empobrecendo.

A economia irá se recuperar, porém lentamente. Voltaremos a ter crescimento econômico e os milhares de desempregados conseguirão retornar ao mercado de trabalho. Porém, numa nova economia originada por um novo normal após a pandemia. Mas a velocidade com que isto irá ocorrer vai depender muito das reformas que os governos federal, estaduais e municipais fizerem. Pois o novo normal está gerando uma nova economia que exigirá um novo setor público. Atualmente o garrote que poderá inibir a retomada do crescimento econômico de forma mais célere é o desequilíbrio nas contas públicas. Por isto a necessidade das reformas que todo cidadão deve exigir de seus representantes políticos.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Seguindo o dinheiro

Em épocas normais todos se preocupam muito com o dinheiro. Costumam até dizer que o problema não é o dinheiro, mas a falta dele. Pois bem, nesta semana, em meio a uma das maiores crises econômicas dos últimos cem anos, nosso país está discutindo a “renovação” do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e há a intenção do governo apresentar ao Congresso Nacional a proposta de reforma tributária.

Até aí nada de mais, pois são temas que devem ser revisitados, avaliados e revisados constantemente. Porém, todos sabemos que a discussão sobre a necessidade de se fazer uma reforma tributária no Brasil já urge há décadas. Quem sabe desta vez ela se efetiva. Resta saber se será positiva para a sociedade em geral ou se tratará somente de tentar “tirar” mais dinheiro dos contribuintes para financiar as atividades do setor público.

Na mesma linha a discussão de renovação do Fundeb não deveria surpreender se não fosse o caso de o governo começar a querer discutir o tema praticamente na véspera da votação. Não se sabe se isto ocorreu por desorganização e despreocupação do governo federal com o tema ou se o seu silêncio foi intencional, estratégico.

Embora o Fundeb trate do financiamento da educação a discussão sequer tangencia questões estruturantes e se limita ao provimento de recursos para o financiamento das atividades nos estados e municípios. Também não poderia ser diferente uma vez que é sabido que a retórica no setor gira em torno da falta de recursos para o custeio mínimo da educação.

Em 2019 os repasses para os estados totalizaram R$ 68,5 bilhões e para os municípios, R$ 100,0 bilhões. Trata-se de muito dinheiro e nossos agentes políticos não estão se entendendo sobre as propostas. A relatora da proposta, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), propõem que o fundo se torne permanente e que o governo federal dobre a sua participação. Tal proposta está sendo rechaçada pela área econômica do governo, uma vez que não há, segundo o governo, margem orçamentária para apropriar o aumento do desembolso.

Também há uma discordância acerca dos valores do fundo que possam ser utilizados para pagamento de pessoal. Inicialmente a proposta era de colocar um teto de 70% do fundo, porém o teto virou piso, o que demonstra o despreparo do governo para discutir uma proposta que começou a tramitar em 07 de abril de 2015.

O fato é que o Fundeb tem que ser renovado e o governo federal tem que aumentar a sua participação aportando mais recursos federais na sua composição. Atualmente, segundo estudo feito pelo consultor Binho Marques, de cada 10 municípios 8 usam todo o recurso do Fundeb com a folha de pagamento. Portanto, qualquer alteração que diminua, ou mesmo mantenha, os valores atualmente praticados causarão o aprofundamento da crise fiscal vivenciada por muitos municípios.

Na outra discussão, a da reforma tributária, o governo federal tenta reeditar uma espécie de CPMF. O governo nega que seja a CPMF renomeada e diz que será uma contribuição compensatória que garantirá a desoneração da folha de pagamento para gerar mais empregos. Conversa fiada. É uma nova forma de aumentar a receita. 

A questão de se ter mais ou menos recursos públicos para uma determinada área ou de se pagar mais ou menos impostos está diretamente ligada à forma com que estes impostos e a expansão dos gastos públicos voltam para a sociedade, e se voltam. Por conta disto é que temos que discutir a qualidade do gasto e a produtividade do setor público brasileiro, através de uma nova reforma administrativa.


terça-feira, 14 de julho de 2020

Temporada de promessas


A cada dois anos nosso país entra numa espécie de êxtase político. Neste contexto muitas pessoas que ocupam cargos eletivos querem se manter nos cargos, e muitas outras, que querem se candidatar a estes cargos, buscam criar espécies de sistemas ilusórios. É o processo eleitoral brasileiro que aflora e a busca pelo poder se torna evidente, porém com diversas tentativas de maquiar as verdadeiras intenções dos protagonistas.

A relação entre o processo eleitoral e a condução da economia é muito íntima, pois são os agentes políticos eleitos que possuem a missão de efetuar a condução da política econômica que, por sua vez, busca em seu escopo a melhoria da qualidade de vida das famílias.

Em resumo, estamos falando de política econômica, que nada mais é do que a administração do conjunto de ações ou medidas a serem tomadas para se atingir os seus objetivos, que são: alto nível de emprego, estabilidade de preços, distribuição da renda, equilíbrio externo e crescimento econômico.

Para um analista mais observador é fácil identificar a presença destes objetivos nas propostas de planos de governos dos candidatos a presidência da República. Se um candidato brada que, se eleito, o seu governo irá gerar certa quantidade de novos empregos, imediatamente os seus adversários buscam aumentar estes números efetuando promessas superiores. E o mesmo ocorre com o controle da inflação, crescimento econômico e distribuição de renda.

É isto mesmo, estamos falando de promessas eleitorais que se vinculam aos objetivos de política econômica. Estes fatos já fazem parte do cotidiano dos brasileiros e muitos (ou quase todos) eleitores já preparam os seus ânimos para serem abordados pelos candidatos que irão apresentar o seu conjunto de “promessas”.

Isto não acontece somente no caso de eleições presidenciais, também ocorre com relação aos outros cargos. Candidatos a cargos no legislativo federal também fazem isto. Candidatos aos governos estaduais e legislativos estaduais, também. E, como não poderia ser diferente, os candidatos a prefeitos e vereadores usam e abusam desta prática. E neste ano teremos eleições municipais e já está aberta a “temporada de caça” aos votos.

Com efeito, já podemos verificar os movimentos, que usam essencialmente de questões econômicas, para tentar convencer os eleitores de que fulano ou beltrano são as pessoas ideias para se “manter” ou para assumir determinados cargos eletivos.

Quem já está em cargo eletivo é que tenta criar a espécie de sistema ilusório para o quadro econômico atual e busca demostrar que a situação econômica e social melhorou muito depois que assumiu a função. Com isto tenta justificar a sua manutenção na função. Por outro lado, quem não possui uma função eletiva tenta “colar” em personalidades políticas para se projetar ou passa a criar um ambiente ilusório reverso, apresentando um cenário de caos.

Diante de tudo isto, estamos nós eleitores, que somos tomados pelos tsunamis de promessas e críticas e, muitas vezes, acabamos desconectados da realidade que nos cerca. Os candidatos tentam criar ilhas de prosperidades que muitas vezes não existem e fogem completamente do que é relevante para o debate político atual.

Os eleitores devem buscar o debate qualificado e pressionar os candidatos a se comprometerem de forma efetiva com melhorias da qualidade de vida da população. Cada um dentro das atribuições dos cargos a que concorrem, mas o compromisso deve ser efetivo. Chega de promessas preferidas que nunca são cumpridas. A sociedade quer e merece respeito.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Mudanças à vista

Quando algo passa por uma espécie de transformação costumamos chama-lo de “novo”. Porém chamar algo de novo não significa que é melhor, só estamos querendo registrar que ocorreram mudanças.

Com a pandemia da Covid-19 muitas coisas estão mudando e muitas outras ainda irão mudar. Já se falam em um novo normal que nada mais é do que um padrão diferente de convivência entre os agentes sociais, gerado por conta das novas experiências de isolamento e distanciamento social.

O filósofo Luiz Felipe Pondé considera “ridícula” esta história de novo normal alegando que dentro de poucos anos ninguém mais se lembrará da pandemia e que a utilização deste jargão não passa de uma espécie de jogada de “marketing barato”. Independente do termo a ser utilizado o que é certo é que o comportamento social irá se alterar.

Recentemente, numa conversa com dois empresários, com a utilização de máscara e cumprindo com o distanciamento social necessário para evitar ou minimizar riscos de contágio, fui surpreendido pelo depoimento deles com relação a como é que estavam lidando com as questões advindas da pandemia.

Um deles relatou que optou por não demitir funcionários e aderiu ao programa do governo federal que permitiu a redução da jornada de trabalho com a respectiva redução dos salários. A diferença dos salários dos empregados é o governo que garante e paga para os trabalhadores. É claro que ele afirmou que o movimento caiu muito e que teve que fazer ajustes nas despesas, ou seja, muitas despesas que eram consideradas normais foram relativizadas.

Com isto, o empresário afirmou que está satisfeito, pois, embora tenha reduzido o nível de atividade, a queda na sua produção foi menos que proporcional à redução da jornada. Considerando que ocorreram reduções nas despesas a rentabilidade caiu, porém não tanto quanto esperado.

Já o outro empresário disse que, inicialmente, teve que demitir cerca de 30% de seus funcionários, pois não conseguiria pagar os salários com a queda nas vendas. Passado pouco mais de um mês decidiu dispensar mais alguns funcionários, reduzindo o seu quadro à metade do quantitativo inicial. Neste caso o empresário declarou que o nível de vendas e produção caiu muito nos meses de março a maio, mas que já retornou à normalidade. Só que a empresa está conseguindo manter o mesmo nível de produção anterior com metade do quadro de funcionários. Ocorreu um aumento da produtividade de seus trabalhadores.

Muitas pessoas poderão criticar estes relatos taxando-os de exploração dos trabalhadores, já outras pessoas irão considerar como um novo padrão de produção. Mas é difícil, sem estudos mais profundos, afirmar o que causou estas transformações.

O que é certo é que a produtividade brasileira sempre foi considerada baixa quando comparada com outras economias e, no início deste ano, ela estava no mesmo nível de 30 anos atrás. Estudos recentes apontam que a produtividade do trabalhador brasileiro equivale a 25% da produtividade do trabalhador norte-americano e 30% do trabalhador alemão ou coreano.

O que é certo é que teremos mudanças significativas na economia com alterações na produtividade média e marginal, porém estes eventos devem começar a ocorrer também na produtividade do setor público, até porque não há possibilidades sustentáveis de aumento das receitas no curtíssimo prazo.

O setor público brasileiro terá que sofrer mudanças. Bom para muitos e ruim para alguns, mas certa é a necessidade de uma ampla reforma na administração pública brasileira.