terça-feira, 27 de outubro de 2020

Transformações necessárias

As estatísticas oficiais começam a pipocar com dados positivos. Indústria, comércio, serviços e construção civil apresentaram evoluções positivas em suas atividades recentes. Algumas pessoas mais desavisadas podem até acreditar que as coisas estão boas, mas o correto é acreditar que a retomada está começando. Ainda há muito a avançar para que nossa economia atinja os níveis necessários de atividade econômica.

Com a recessão dos anos 2015 e 2016 e o baixo crescimento dos anos de 2017 a 2019 nossa economia tem operado com níveis equivalentes ao do ano de 2012. Já com a queda do PIB prevista para este ano nossa economia recuará ainda mais e irá operar com o PIB equivalente ao do ano de 2010. Em 10 anos tivemos crescimento praticamente nulo, o que podemos considerar como sendo outra “década perdida” em termos de crescimento econômico.

Por mais que o governo federal tente criar debates polêmicos em áreas diversas, com discursos populistas e bravatas palatáveis para seu séquito não consegue criar uma cortina de fumaça capaz de esconder a letargia existente na condução da política econômica. Não conseguimos identificar ações concretas que possam acelerar a retomada do crescimento econômico, condição necessária para a geração de emprego e melhoria da renda da população. Sem crescimento econômico não avançaremos para um condição de bem estar social.

Mais uma vez nos deparamos com o problema econômico essencial da escolha, onde é necessário efetuar a aplicação adequada dos recursos escassos existentes para fazer frente às necessidades ilimitadas da população. São questões tecnológicas que devem ser respondidas de forma eficiente para melhor prover nossa sociedade de bens e serviços, o que redundaria no aumento da produção e da geração de emprego e renda.

Para que isto ocorra muitas decisões devem ser tomadas, só que não é isto que estamos vendo. Não estamos vendo o governo federal assumir o protagonismo econômico esperado, uma vez que não apresenta as reformas necessárias para nossa economia. Muito se falou de reformas nas últimas décadas. Desde o governo Sarney, passando por Collor, Itamar Franco, FHC, Lula, Dilma e Temer e chegando em Bolsonaro, muito de falou e pouco foi feito.

A reforma da Previdência, a mais robusta até o presente momento, poderá se tornar cosmética diante do aumento dos gastos públicos e do desequilíbrio nas contas públicas, o que está gerando aumento do endividamento e na incapacidade de o governo gerenciar crises com política fiscal expansiva.

Não fazer uma reforma tributária implica em manter os custos de produção elevados, sendo que ainda se tem o risco de sofrermos aumentos destes custos. Isto seria mais um freio na retomada do crescimento econômico e na consequente saída do ciclo da “década perdida”.

A média do crescimento econômico brasileiro do ano de 1981 até 2019 é muito baixa se considerarmos o crescimento da população e a evolução tecnológico ocorrida no mundo inteiro e os líderes que passaram pelo governo e suas equipes econômicas não conseguiram dar conta de romper com os paradigmas existentes.

E isto vem se replicando de ano em ano, de eleição em eleição. Escolhemos gestores que não conseguem fazer o que é necessário para a população. Este modelo tem que ser mudado. A população, através de seus eleitores, deve prover mudanças no setor público através da escolha de pessoas que estejam preparadas para fazer as transformações necessárias e não escolher aqueles que mais lhe agradam com discursos doces e afáveis, mas sem conteúdo.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

A onda

Nos últimos anos o mundo presenciou o avanço das ideias liberais com governantes sendo eleitos com propostas revolucionárias de redução do tamanho do estado nas respectivas economias. O sucesso de primeira hora destes personagens se deve ao fato de que muitas pessoas já não suportavam pagar tantos impostos sem que eles retornassem para a sociedade na forma de bens e serviços públicos de qualidade. Os arautos da onda liberal pregaram uma maior eficiência na aplicação dos recursos públicos e a atenção do estado em questões próprias.

Pode até ser que em alguns momentos ou em alguns lugares tenham logrado êxito, porém muitas das experiências liberais propostas foram colocadas em prática sem uma avaliação mais criteriosa. Muitas questões fundamentais não foram consideradas e alguns destes governos já deram ou estão dando água.

O que muitas destas pessoas não consideraram são os conceitos elementares e princípios fundamentais para se conceber políticas econômicas e colocá-las em prática. Todo sistema econômico possui as suas respectivas imperfeições no seu funcionamento e o processo histórico e a forma com que as economias foram geridas nos últimos anos podem ter resolvido algumas delas, porém agravado outras.

Via de regra, as falhas no funcionamento de uma economia surgem de problemas na alocação dos recursos existentes, bem como da má distribuição de renda, problemas de flutuações de preços e baixo crescimento econômico. Com efeito, temos perturbações na organização dos sistemas econômicos que são corrigidos com a atuação do estado na economia.

Não se trata de ser liberal, neoliberal, esquerdista ou mesmo socialista, trata-se do papel fundamental dos governos de garantir a condição de bem-estar social. O governante que despreza este papel do estado somente conseguirá agravar os problemas sociais existentes, pois o livre mercado “per se” não dará conta de corrigir as imperfeições do mercado.

Porém, problemas podem ser gerados a partir de erros na dosimetria de atuação do estado que pode se multiplicar e extrapolar as funções convencionais de educação, saúde, infraestrutura, justiça e a busca pela condição de bem-estar social.

Com a crise econômica causada pela pandemia da Covid-19 praticamente todas as nações tiveram que potencializar a atuação de seus governos na economia com programas de transferência de rendas para tentar amenizar o avanço da extrema pobreza com a queda abrupta da atividade econômica e avanço do desemprego.

No caso brasileiro, se o governo federal não lançasse os auxílios emergenciais a crise social, com certeza, teria se agravada tanto e arremessado nossa economia numa condição de extrema pobreza compatível com a experimentada na primeira metade do século passado. O auxílio emergencial foi e é importante, porém o governo federal deveria estar estudando alternativas para a retomada sustentável da atividade econômica, o que parece que não está ocorrendo como deveria.

O Centro de Liderança Pública (CLP) estima que com o fim do auxílio emergencial a extrema pobreza poderá subir para 9,5% da população, sendo que antes da pandemia estava em 2,3%.

É nítido que o setor público tem que atuar na economia tentando corrigir as imperfeições alocativas existentes no mercado e isto se aplica não somente ao governo federal, mas também aos governos estaduais e municipais. Por isto, nossos governantes e a população devem compreender quais são as necessidades prioritárias de suas respectivas comunidades sem “achismos” e sem prejulgamentos. Devem escutar mais a sociedade, sempre.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Questões fundamentais

Em qualquer curso de introdução a economia, nas suas primeiras aulas, os alunos terão contato com o conceito de economia e lhes são apresentadas as questões fundamentais do problema econômico. Pode até parecer algo simples, mas não é, pois a diversidade de problemas existentes é muito grande. Todos os problemas econômicos tem sua relação com a chamada “lei da escassez”, que nada mais é do que uma restrição quantitativa dos recursos produtivos clássicos: o capital, a mão de obra e os recursos naturais.

Os fatores ou recursos produtivos existem em quantidade limitada e daí é que se originam os problemas econômicos, pois os tomadores de decisões devem escolher como utilizar estes recursos. Se contrapondo a isto temos que as necessidades humanas são ilimitadas, concorrentes e crescentes.

Para ter o melhor aproveitamento dos recursos, bem como para se tentar maximizar a satisfação das famílias é necessário compreender quais são os problemas econômicos e decidir quais as necessidades da população que serão atendidas com os recursos escassos. Daí surgem as questões fundamentais do problema econômico, que são: O que e quanto produzir? Para quem produzir? Como produzir? Onde produzir? Quando produzir?

Os principais desafios de qualquer economia são dar as respostas adequadas para as questões fundamentais. Numa economia de mercado, as respostas são dadas pelas agentes econômicos, sendo que o governo possui uma participação marginal, ou seja, pouco expressiva. No caso de economia com o seu planejamento mais centralizado, ou tidas como sendo de esquerda, as decisões são tomadas pelo governo.

Nesta perspectiva analítica podemos considerar que as prefeituras (ou os prefeitos e prefeitas) de municípios de pequeno e médio portes possuem uma gestão de esquerda, pois as respostas de como aplicar os recursos públicos são dadas pelos agentes políticos. Isto não quer dizer que seja ruim, desde que haja um processo participativo para identificar as reais necessidades da sociedade e se busque o seu atendimento com respostas eficientes para as questões fundamentais.

Entretanto, o que vemos na prática é que as decisões sobre como aplicar os recursos públicos, que são escassos, nem sempre são definidas com a devida audiência das necessidades da população. Pelo contrário, na maioria das vezes as decisões seguem os interesses de grupos de interesses, sem que as necessidades da população sejam plenamente consideradas nas decisões.

Isto é uma verdade incontestável, caso contrário não teríamos notícias de que a população está necessitando de medicamentos, de que as filas para consultas com médicos especialistas são longas e demoradas, que o desemprego está aumentando, de que a extrema pobreza está ficando mais evidente, e tantos outros eventos negativos para a sociedade.

Mas o que vemos na verdade é que muitas coisas acontecem de forma sazonal, ou seja, de quatro em quatro anos, nas proximidades das eleições. Não estou falando de nenhum caso concreto, mas de um quadro geral que ocorre em muitos municípios brasileiros. Por conta disto tudo, a gestão municipal deveria ser mais participativa e os desejos e necessidades da população deveriam ser auscultadas com mais eficiência, ao invés de as decisões ocorrerem somente por conveniências políticas.

A sociedade deve ajudar a responder as questões fundamentais dos problemas econômicos e sociais que a afligem. Qualquer prática diversa é tendenciosa e deve ser questionada. Afinal de contas, o poder emana do povo e em seu benefício é que deve ser utilizado.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Daqui para frente

Antigamente o problema econômico que assombrava os brasileiros era somente o desemprego. Questões como a inflação, carga tributária, taxa de câmbio, juros e a tão falada dívida externa eram de fácil convivência. Não se falava em déficit fiscal ou dívida líquida do setor público. Muito menos se imaginava como estes agregados econômicos poderiam influenciar o dia a dia dos brasileiros. Já nos dias de hoje se ouve falar muito deles e de seus efeitos perversos sobre a confiança dos agentes na economia.

O governo federal potencializou os seus gastos e conseguiu fazer com que a queda do PIB por conta da crise causada pela pandemia não seja tão vigorosa como na maioria dos países. Porém, é muito claro que a recuperação das economias do globo demorará para retornar aos níveis em que operavam antes da crise atual. No caso da economia americana se fala em dezoito meses para que isto ocorra e no caso da zona do euro a demora será em torno de trinta meses.

Para o Brasil a demora para voltar aos níveis do quarto trimestre de 2019 pode ser compatível com a do resto do mundo, porém naquele momento nossa economia estava operando com os indicadores de atividade econômica compatíveis com os de 2012. É evidente que temos um problema econômico muito grave para administrar e isto aconteceu por conta do descontrole nas contas públicas.

E o governo federal está insistindo em manter o flerte com a irresponsabilidade fiscal, tanto que por inúmeras vezes se comentou sobre a possibilidade de se criar alternativas para romper o teto dos gastos.

Está se tentando manter a mesma linha de atuação dos governos anteriores, onde se mantinha o nível de atividade ou mesmo a popularidade do governo com base em aumento de gastos públicos, porém os limites para endividamento ou mesmo os limites suportáveis para a manutenção de déficits fiscais recorrentes já se extrapolou.

O governo federal e muitos governos estaduais não possuem margens orçamentárias para acomodar novas despesas, porém estas estão sendo projetadas sem o menor constrangimento e se indica a existência de déficits primários cada vez mais recorrentes. O próprio governo do estado do Paraná já projetou uma queda de R$ 1,7 bilhão na receita tributária do estado para 2021. Se ela ocorrerá de fato, ainda é incerto, porém certo é que muitas despesas necessárias estão deixando de serem previstas por falta de receitas.

O mesmo acontece nos demais estados e deveria estar sendo o foco de preocupação dos municípios, porém estes últimos vivem outra agenda política e não estão avaliando a situação fiscal de curto prazo. E isto está ocorrendo por conta das eleições municipais. Nenhum gestor iria alardear que o orçamento dos próximos anos irá ter alterações na composição das receitas e, por conta disto, será necessário efetuar ajustes do lado das despesas.

Pelo contrário, se propaga que a situação está boa e que irá melhorar. Que o pior já passou. Mas nos próximos anos muitos municípios sofrerão uma espécie de colapso fiscal. Daqui para frente os problemas de falta de recursos entrarão nos radares dos prefeitos. Até porque tanto o governo federal quanto os estaduais não terão mais como aumentar os auxílios financeiros para os municípios. Tudo isto por conta da forma com que se cuidou da evolução da composição dos gastos públicos. Um novo pacto federativo deverá ser feito para revisar e readequar esta situação, porém os brasileiros não podem esperar as conveniências políticas para que isto ocorra. Isto já deveria estar acontecendo.