terça-feira, 25 de maio de 2021

Os riscos futuros

Os impactos diretos na economia causados pela pandemia do coronavírus são óbvios e inquestionáveis. Não podemos atribuir responsabilidades aos gestores públicos pelos impactos, mas podemos responsabilizá-los pela inércia na execução de medidas que objetivam reduzir a intensidade e duração de seus efeitos. O desemprego aumentou, a pobreza e extrema pobreza, também. Tivemos recessão econômica no ano de 2020, mas teremos um crescimento positivo em 2021, só que este crescimento não é suficiente para reverter os problemas causados, isto levará muitos anos e custará muito caro.

Muitos setores da atividade econômica estão sofrendo muito e com dificuldades de reverter a crise, exemplo disto é o setor de serviços. A Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE apresentou uma queda acumulada nos últimos doze meses, com base em março deste ano, de 8% no volume de serviços e o índice da média móvel trimestral ainda está abaixo da média pré-pandemia. Os serviços prestados às famílias caíram, 39,8% no mesmo período, sendo que no setor de serviços de alojamento e alimentação a queda foi de 41%.

A economia irá se recuperar se não tivermos muitas aventuras insanas por parte de nossas autoridades econômicas. Mas pelas declarações recentes do ministro da Economia, Paulo Guedes, é possível que não tenhamos êxito numa retomada sustentável. Em recente entrevista o ministro deixou a entender que como em 2022 teremos eleições o governo “irá para o ataque”. Muitas interpretações podem ser tiradas desta afirmação. Numa interpretação livre podemos concluir que a intenção é de se aumentar os gastos públicos para gerar uma falsa sensação de bem estar e garantir a reeleição.

É muito provável que consigam o intento, porém o custo desta possível estratégia virá na manutenção do desequilíbrio das contas públicas e na necessidade imperativa de se fazer reformas mais vigorosas nos anos que se sucederem ao eventual êxito (ou não) nas urnas. De qualquer forma, se levarem a cabo esta estratégia a conta será cobrada dos cidadãos brasileiros de forma geral, sem prejuízo para os agentes políticos e para a pequena elite brasileira, de forma específica.

Recentemente comentei neste espaço sobre as evidências históricas do processo de desenvolvimento de muitas economias apontando que estas passaram pelo fortalecimento da agricultura e da educação. Pois bem, nossa agricultura está forte e vigorosa, tanto que temos previsão de safra recorde. Já a educação não vem sendo tratada com a devida importância pelos nossos gestores públicos de forma geral. Não me refiro a casos particulares.

Há praticamente quatorze meses de ensino não presencial na maioria das escolas, colégios e universidades e, ainda não tivemos uma manifestação formal dos governos federal, estaduais e municipais sobre o prejuízo na formação de nossos jovens. É inquestionável que aprender a distância para nossas crianças não é tarefa tão simples. Sem falar na ausência de estrutura nos dois sentidos: dos educadores e educandos.

Muitos alunos, em nosso país, não têm acesso a computador e internet. Muitos professores também não têm. Pode parecer um absurdo para algumas pessoas a afirmação de que, em pleno século 21, alguém não tenha acesso a computador e internet. Mas a realidade é dramática. Pode ser que na região sul e sudeste esta realidade seja menos evidente, mas na média brasileira a sensação que temos é de muita exclusão. Este debate tem que começar logo sob o risco de colocarmos o crescimento econômico futuro, que é dependente da educação, em sérios riscos.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Era uma vez a poupança

Os brasileiros possuem uma afinidade histórica em aplicar na caderneta de poupança. Durante anos esta modalidade de aplicação financeira foi considerada a melhor alternativa para se manter os fundos pessoais. Mas muitas coisas mudaram na rentabilidade dela e há muito tempo deixou de ser uma opção para proteger os ativos monetários dos efeitos da inflação e, muito menos, para se ter rentabilidade.

Até maio de 2012 a poupança possuía como regra de rentabilidade a alíquota de 0,5% acrescida da Taxa Referencial (TR). Em que pese que a TR quase sempre tenha ficado abaixo da inflação efetiva, a rentabilidade da poupança se mantinha um pouco atraente por conta da alíquota mensal de 0,5%.

O governo mudou a regra, porém manteve a versão antiga para os depósitos anteriores a data da mudança (03/05/2012). Para as novas contas ou novos depósitos a regra passou a ser vinculada à taxa de juros básica da economia, a Selic, da seguinte forma: se a Selic estiver acima de 8,5% ao ano o rendimento da poupança será de 0,5% mais a TR; se a Selic estiver abaixo ou igual a 8,5% o rendimento será de 70% da Selic mais a TR.

Pois bem, a Selic está abaixo de 8,5% desde setembro de 2017 e não há perspectivas para ela atingir este nível nos próximos quatro anos. Se não bastasse isto a TR está zerada desde a mesma data e se voltar a ser positiva continuará tendo um coeficiente inferior ao da inflação efetiva. Esta combinação sacramenta a poupança como um dos piores investimentos no mercado financeiro.

Mas isto parece não afastar os poupadores mais tradicionais e conservadores, uma vez que atualmente o saldo médio de depósitos em contas de poupança é de R$ 1 trilhão. O que podemos concluir é que a caderneta de poupança se tornou uma alternativa para se manter a guarda do dinheiro, mas é interessante somente para pessoas que tenham a intenção de efetuar saques para realizar despesas no curtíssimo prazo.

No ano de 2020 a captação líquida média diária de depósitos de poupança foi de R$ 662,6 milhões, ou seja, foram feitos valores de depósitos que superaram os saques. Em 2021 esta média passou a ser inversa: até 11/05 a média diária de saques superou os depósitos em R$ 237,9 milhões. Este pode ser um indicador de que as pessoas estão necessitando sacar os seus fundos por conta do prolongamento da pandemia e da crise econômica por ela gerada. Outra possibilidade é de que os investidores tradicionais da caderneta de poupança estão compreendendo que se mantiverem os seus fundos nesta aplicação não estarão se protegendo dos efeitos da inflação.

Se as expectativas acerca da Selic se confirmarem teremos uma taxa, no final de 2021, de 5,5%. Com isto a rentabilidade da poupança se manterá em 70% da Selic e, se a TR continuar zerada, um investidor que depositou R$ 100,00 no início de janeiro terá um saldo em 31/12 de, aproximadamente, R$ 102,80. Terá tido uma rentabilidade de 2,8%.

Porém, se a inflação projetada fechar o ano dentro da atual expectativa mediana de 5,15% o rendimento da poupança se anulará pelo efeito da inflação e será como se o investidor que depositou os R$ 100,00 no início de janeiro deverá ter um saldo de R$ 97,48, em termos reais, no final do ano.

Trocando em miúdos, a aplicação em caderneta de poupança, ou mesmo as contas correntes integradas com a poupança não são bons negócios para quem deseja proteger suas economias dos efeitos da inflação. Para quem deseja esta proteção o ideal é procurar outra modalidade de investimento financeiro. A caderneta de poupança já não é mais a mesma.



No podcast:

terça-feira, 11 de maio de 2021

Por detrás dos fatos

Todo tipo de decisão sempre tem uma ou mais motivações que são consideradas para atingir os objetivos. Recentemente o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil elevou, pela segunda vez consecutiva, a taxa de juros da economia. A decisão é diferente do que está ocorrendo nos países considerados desenvolvidos, estes estão mantendo suas taxas de juros próximas de zero.

A principal motivação explicitada para esta decisão é o controle da inflação que está se comportando com uma tendência de extrapolar o limite superior da banda de tolerância. Antes da reunião do Copom a expectativa acerca da inflação, medida pelo IPCA, para o ano de 2021 estava, na mediana, em 5,04% e o limite superior da banda é de 5,25%. Na semana posterior a decisão de aumento dos juros as expectativas mantiveram tendência de alta e passaram para uma mediana de 5,06%.

A situação da inflação brasileira preocupa as autoridades econômicas, de forma técnica, e a toda a população, de forma prática. Desde que se implantou o sistema de “metas de inflação”, no ano de 1999, a inflação efetiva somente superou o limite superior em quatro ocasiões. Se isto ocorrer em 2021 será a quinta vez em vinte e três anos de vigência do sistema.

Pelas regras instituídas como diretrizes para fixação do regime de política monetária, se a inflação extrapolar o teto da meta, o presidente do Banco Central do Brasil deve publicar, em carta aberta: as causas para o descumprimento da meta de inflação estabelecida, quais as providências que serão tomadas para o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo para que as providências surtam efeitos.

De acordo com a ata da última reunião do Copom as elevações na taxa de juros já estão indicando a preocupação com a inflação de 2022 que, também de acordo com as expectativas, está com tendência de ser superior ao centro da meta. O próprio Comitê afirma que a recuperação econômica dos efeitos causados pela pandemia pode ser mais lenta, o que poderia causar um abrandamento da inflação, porém, também há a preocupação com a tendência de piora da trajetória fiscal brasileira por conta dos prolongamentos das políticas fiscais para abrandar os efeitos da pandemia na economia. Este último eleva a inflação.

O fato é que o Banco Central está elevando a taxa de juros básica da economia e o que pode estar por detrás deste movimento é a tentativa de se buscar o ajustamento da taxa de juros nominal à taxa de inflação para que, numa perspectiva de longo prazo, possa se manter os incentivos monetários na economia para potencializar a retomada do crescimento. Outro fato, é que a retomada irá demorar muito para ocorrer e, por conta disto, as medidas necessárias devem ser tomadas.

O próprio Copom sinaliza com a preocupação do aumento dos gastos fiscais agravar o déficit nas contas públicas e com a demora em se implementar as reformas necessárias. Estes eventos podem pressionar o prêmio de risco do país e, com isto, a pressão inflacionária se torna mais real e evidente na economia.

A preocupação do Copom é com a inflação e espera-se que o aumento dos juros nominais não afete os juros reais por conta dos atuais níveis de inflação. Com isto, o nível de investimentos não se reduz e se mantém a esperança de termos um crescimento econômico em 2021. Só que este crescimento não irá reduzir o desemprego, uma vez que será atendido com a ocupação da capacidade ociosa da economia. Por isto é que não podemos ter falsas expectativas de soluções de curto prazo para o emprego e renda das pessoas.

terça-feira, 4 de maio de 2021

De solavanco em solavanco

Embora o governo ainda não tenha demonstrado a que veio na área econômica as projeções começam a indicar a recuperação através de alguns indicadores. As expectativas do mercado financeiro, divulgadas pelo Banco Central, estão indicando a melhora em alguns indicadores e a piora em outros.

Como todos nós já sabemos a expectativa é de inflação em alta e, com isto, também temos uma expectativa de aumento dos juros na economia. O Comitê de Política Monetária do Banco Central elevou os juros básicos da economia na última reunião de março de 2,00% ao ano para 2,75% ao ano. A expectativa é que terminemos o ano de 2021 com a Selic em 5,50%.

Neste quesito temos indicadores preocupantes, uma vez que estamos sofrendo com o aumento da inflação, puxada essencialmente pelo aumento dos alimentos, o que agrava a situação de penúria social em nosso país. A forma de combater a inflação que o governo utiliza é com os juros.

Com efeito, teremos aumento de juros em nossa economia. O aumento dos juros também reduz a velocidade de crescimento do PIB podendo até estagnar ou mesmo gerar uma recessão. Não é o caso brasileiro. Em 2021 teremos crescimento do PIB, porém muito aquém do necessário para recuperar parte do que regredimos do ano de 2015 a 2020. Analisando de forma objetiva não seria interessante o aumento dos juros em nossa economia por três motivos.

O primeiro é que o nível de investimento responde negativamente ao movimento dos juros e um aumento dos juros reduzirá os investimentos e, com isto, o PIB desacelera. Isto traz uma perspectiva ruim para o desemprego para o qual continuaremos amargando altos níveis nos próximos quatro anos.

O segundo motivo é que com o aumento dos juros combinado com o déficit fiscal persistente o risco-país não reduz e o investimento direto no país, que é uma forma de financiar nossa atividade econômica, não se recupera. A expectativa é que o investimento direto no país acumule US$ 55 bi em 2021, metade do obtido no ano de 2011 e muito inferior ao valor médio alcançado no período de 2010 a 2019.

O terceiro motivo é que os países ricos, que já estão em plena retomada, estão mantendo os juros básicos de suas respectivas economias muito próximo de zero. Com esta prática das autoridades econômicas brasileiras teremos uma retomada muito lenta e o crescimento da economia deverá se manter na média anual de 2,5% nos próximos quatro anos. Muito pouco, se considerarmos as crises recentes que sofremos.

O governo brasileiro vem comemorando o desempenho recente da balança comercial que está sinalizando uma forte retomada motivada pela demanda de soja e minério de ferro pela China bem como pela retomada da economia americana. Com isto, há quem já aponte um superávit de US$ 73 bi. Porém, as expectativas de mercado sinalizam para um saldo na balança comercial de 2021 em torno de US$ 64 bi. Ambas as estimativas são muito positivas e devem se comemoradas, sim.

Infelizmente o desempenho externo de nossa economia não será suficiente para garantir um crescimento robusto. O crescimento de nossa economia sempre foi puxado pelo consumo das famílias. Só que isto está desaquecido pelo alto nível de desemprego e redução da renda real dos brasileiros. O erro estratégico do governo foi interromper o pagamento do auxílio emergencial e a sua retomada com valores muito baixos. Para recuperar os estragos econômicos causados pela pandemia e pela inércia do governo levaremos, no mínimo, uns sete anos. Isto se não tivermos mais solavancos pelo caminho, o que é pouco provável.