terça-feira, 30 de novembro de 2021

O remédio e o veneno

O ano de 2021 já está findando e os indicadores econômicos estão praticamente consolidados. É deste ponto que começamos a avaliar os rumos que nossa economia para os próximos anos.

Começaremos o ano de 2022 com inflação, câmbio, juros e desemprego altos. Poderíamos considerar aceitáveis se estes efeitos tivessem ocorridos com todas as economias do globo, sem reversão. A inflação está elevada em todos os países, sim. O aumento da demanda das commodities combinado com uma oferta não compatível pressionaram os respectivos preços internacionais para cima, gerando inflação em todas as economias.

No caso brasileiro a inflação é mais elevada por conta do processo de desvalorização de nossa moeda frente ao dólar. A estimativa que aponto é que os fundamentos de nossa economia são compatíveis com uma taxa de câmbio em torno de R$ 3,80 por dólar. Isto significa que a pressão sobre os preços está 47% acima do que deveria por conta da desvalorização de nossa moeda.

Vamos amargar uma inflação superior a 10% neste ano quando poderíamos ter somente algo em torno de 6,8%. Isto faz diferença nos salários reais pagos e no nível de crescimento econômico: seriam maiores.

O principal componente que eleva a taxa de câmbio para níveis acima do que deveria estar é o político. São crises políticas que geram incertezas e desconfianças e deterioram a credibilidade da política econômica. Com isto, o risco-país também aumenta. Para equilibrar esta equação complexa o governo se obriga a elevar os juros internos para atrair fluxos de capitais.

São estas as perspectivas que temos para o próximo ano e os cenários prospectivos para o ambiente econômico, sem considerar intervenções de política econômica mais efetivas, é de que continuaremos com inflação acima da meta, taxa de câmbio nos mesmos níveis atuais e juros mais elevados. Com efeito, espera-se que nossa economia entre em estagnação e os mais pessimistas já apontam para uma recessão. Em qualquer um dos dois cenários teremos a manutenção do nível de desemprego em patamares elevados.

As pessoas que defendem o governo tentarão justificar que as coisas estão boas e que o governo está fazendo que é possível. Discordo deste argumento. Não dá para debater soluções para a conjuntura econômica movidos por paixões políticas. Temos que analisar os fundamentos da economia e o comportamento dos agregados macroeconômicos.

Os juros elevados ajudam a atrair investimento estrangeiro, gerando superávit na conta capital e equilibrando o balanço de pagamento, uma vez que a conta corrente é deficitária. Porém, também inibem o investimento em formação bruta de capital fixo, travando o crescimento de nossa economia.

Por conta disto, acredito que teremos crescimento econômico próximo de zero no próximo ano se o governo não redirecionar sua política econômica. O cenário se torna mais pessimista com a instabilidade provocada pela perspectiva de indisciplina fiscal, ou seja, com a perspectiva de aumento dos déficits primário e nominal. Podemos projetar para 2022 um déficit primário na ordem de R$ 109 bilhões, um déficit nominal de R$ 608 bilhões e pagamento de juros sobre a dívida líquida em torno de R$ 499 bilhões.

Este comportamento somente poderá ser revertido com a retomada do crescimento econômico a partir de 2023 com a normalização dos fundamentos da economia brasileira por volta do ano de 2026. Dizem que a diferença entre o veneno e o remédio está na dosagem. Pois bem, estamos vivenciando tempos difíceis por conta de erros na dosimetria das políticas econômicas.


terça-feira, 23 de novembro de 2021

Parabéns para a LAI

No último dia 18 de novembro a Lei de Acesso à Informação (LAI) brasileira completou 10 anos de sua publicação e há muito a ser comemorado pois esta lei foi (e é) inovadora para a experiência democrática brasileira e regulamentou três dispositivos constitucionais: o que afirma que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”, o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo e estabeleceu o franqueamento de consulta a processos administrativos.

A nossa LAI foi inspirada na lei de acesso à informação americana, a “Freedom of Information Act” (FOIA), que tem mais de 60 anos. Isto demonstra que a nossa experiência com a transparência e o acesso à informação é muito recente e que ainda temos muito a melhorar. Digo isto porque a LAI é pouco utilizada no Brasil, seja pelo desconhecimento das pessoas deste dispositivo ou pelo “juridiquês” e “governês” que dificultam a compreensão de parte da população.

Para facilitar e potencializar a sua utilização as entidades que tratam do controle social buscam disseminar o conhecimento desta lei para que todos os cidadãos possam dela usufruir. A LAI é utilizada com muita frequência pelos jornalistas e por organizações não governamentais de controle social, como os observatórios sociais.

Uma das tentativas de popularizar o conhecimento da LAI para a população foi o lançamento da WikiLAI pela agência de dados independentes “Fiquem Sabendo”, sendo que ela é especializada na LAI brasileira. A WikiLAI é um site de internet que apresenta, de forma prática e simples, o que as pessoas precisam saber sobre a nossa Lei de Acesso à Informação.

Temos que comemorar a existência de nossa LAI, sim, porém, também temos que ter clareza que ainda temos muito a avançar nos dispositivos de transparência e acesso à informação e isto somente irá ocorrer se a população começar a utilizar este dispositivo e cobrar dos gestores públicos mais transparência. Isto é facilmente denotado pelo baixo número de pessoas cadastradas na plataforma federal de acesso à informação, a FalaBR, e na plataforma do governo do estado do Paraná, o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC).

Também verificamos a ausência de plataformas digitais de acesso à informação em algumas prefeituras e legislativos municipais, bem como em autarquias estaduais e municipais. Com isto, podemos concluir que ainda temos muito a realizar nestes quesitos em nosso país.

A importância da transparência reside na necessidade de a sociedade ter informações completas, perfeitas e simétricas para auxiliar na construção, implementação e avaliação de políticas públicas. Não é possível atingir a eficiência necessária sem a devida transparência. E antes que alguém afirme que esta competência é dos gestores públicos tenho que lembrar que muitas políticas públicas são discutidas e elaboradas através dos órgãos de controle social, ou seja, nos conselhos municipais, estaduais e federais.

O grande desafio para a sociedade é exigir o fiel cumprimento da transparência e acesso à informação, pois em muitos municípios não existe um sistema de acesso à informação aos cidadãos e muitos dos que existem não são atendidos no prazo. Em resumo: em muitos municípios a LAI não é cumprida. Isto tem que mudar e somente mudará com a cobrança da sociedade junto aos gestores públicos. Parabéns para a LAI pela sua existência e força para os cidadãos na luta pela garantia de manutenção destes dispositivos de controle social.


terça-feira, 16 de novembro de 2021

Pega na mentira

Durante o período eleitoral de 2018 as expectativas acerca de uma reversão da corrupção, uma redução da carga tributária e do gasto público com a geração de superávit primário, redução do número de servidores comissionados e a desoneração da folha de pagamento estavam presentes no pensamento e na atitude da maioria dos brasileiros. Tanto é que o protagonista destes compromissos eleitorais ganhou as eleições e preside o país até hoje.

Mas, para a tristeza de muitos destes que acreditaram nestas promessas, pouco (ou quase nada) saiu do papel, se é que um dia nele foi posto. É claro que no meio do percurso tivemos a pandemia do coronavírus e a crise econômica dela decorrente. Mas algumas coisas poderiam ter sido encaminhadas em paralelo ao combate à referida crise. Porém, nem este combate se deu de forma estruturada, planejada. Pelo contrário, foram criadas diversas crises políticas por questões atitudinais que geraram um cenário de instabilidade política.

Normalmente a instabilidade econômica gera uma crise política. Porém, no Brasil atual, a instabilidade política é que está gerando uma nova crise econômica que aprofunda os problemas causados pela pandemia. Pesquisa recente elaborada pela Quaest Consultoria aponta que em julho deste ano os problemas com saúde/pandemia eram a preocupação de 41% dos brasileiros e a economia figurava em segundo lugar com 28%. Pois bem, agora em novembro o principal problema para 48% dos brasileiros é a economia seguida pela saúde/pandemia com 17%, as questões sociais com 13% e a corrupção em último lugar com 9%.

O fato de a corrupção ter ficado em último lugar na preocupação dos entrevistados não quer dizer que ela deixou de existir. Mas quero destacar aqui a preocupação crescente com a economia. Agora as pessoas começaram a se preocupar com o crescimento econômico, ou seja, com a ausência do crescimento necessário para sairmos mais rápido da crise.

Embora o ministro Paulo Guedes afirme, de forma insistente, aos investidores estrangeiros que nossa economia está crescendo acima da média, a preocupação dos brasileiros é justamente com o baixo crescimento. A afirmação de Paulo Guedes é facilmente desmentida pelas estimativas de crescimento econômico mundial. Iremos crescer abaixo da média mundial, abaixo da média das economias emergentes e em desenvolvimento e até abaixo da média da América Latina e Caribe.

O que Paulo Guedes está contando é uma mentira “deslavada” tal qual as relatadas por Erasmo Carlos na sua música “Pega na mentira”. Nossos indicadores econômicos preocupam muito, pois ainda não retomamos o nível de PIB do período pré-pandemia como muitas economias do globo. Consequentemente nosso desemprego persiste elevado com o agravante de que estamos experimentando baixo crescimento com inflação elevada. Normalmente tivemos intercalados alto desemprego com baixa inflação ou baixo desemprego com inflação alta. Agora estamos vendo um cenário preocupante onde temos inflação e desemprego altos contrastando com baixo crescimento econômico.

É claro que a inflação é um processo global, porém o crescimento das principais economias está reduzindo o desemprego e logo atingirão o nível de desemprego pré-pandemia, o que deverá demorar para acontece no Brasil. Para 48% dos brasileiros o principal problema do país é a economia e este deverá ser o foco das eleições presidenciais do próximo ano e se estenderá para os próximos quatro anos. Zico e Pelé não jogaram juntos no Vasco. É mentira. Assim como a retórica de muitos de nossos agentes políticos.


terça-feira, 9 de novembro de 2021

O prejuízo para o crescimento

Com o avanço do processo de imunização no Brasil os governos já estão flexibilizando as medidas restritivas e a população começa a ter a sensação que as coisas já normalizaram e que a pandemia está no seu fim. Pode ser que sim. Na maior parte do mundo vacinado isto está ocorrendo e as rotinas começam a retornar aos níveis próximos do que haviam antes da pandemia.

A atividade econômica já retomou na sua maioria, restando poucos órgãos públicos que ainda mantém as atividades na modalidade de teletrabalho (home office). Os estádios de futebol já recebem torcidas e até shows e apresentações artísticas e atividades turísticas já estão ocorrendo. É claro que esta retomada está sendo monitorada e moderada, mas já consegue injetar ânimo em muitas pessoas.

O crescimento de nossa economia será muito bom neste ano, embora as expectativas iniciais eram melhores. A demora em se definir e operacionalizar o processo de vacinação acabou por arrefecer as expectativas e, com isto, o crescimento do PIB em 2021 deverá ficar em torno de 5%, segundo o Relatório de Mercado do Banco Central do Brasil (Bacen). O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) estão mais otimistas com relação a nossa economia e projetam um crescimento para este ano de 5,3% e 5,2%, respectivamente.

Não há dúvidas de que nossa economia irá crescer, apesar de todas as trapalhadas do governo. Mas o que temos que observar além das questões objetivas neste processo são as questões subjetivas, aquelas que ainda não podem ser mensuradas pelas ferramentas de previsão.

As expectativas do relatório do Bacen as expectativas não se apresentam muito favoráveis: crescimento de 1% em 2022 e 2% nos anos de 2023 a 2025. O Banco Mundial estima o nosso crescimento em 1,7% e 2,5% para os anos de 2022 e 2023, respectivamente, e o FMI projeta um crescimento de 1,5% para 2022.

A economia mundial deverá crescer neste ano 5,6% segundo o Banco Mundial e 5,9% de acordo com o FMI. As economias avançadas irão crescer pouco abaixo das expectativas das duas instituições para o mundo e as emergentes e em desenvolvimento (onde o Brasil está inserido) deverão crescer 6% e 6,4%, segundo o Banco Mundial e FMI, respectivamente.

Para o próximo ano a expectativa de crescimento do PIB mundial está projetado em 4,3% pelo Banco Mundial e em 4,9% segundo o FMI. O Brasil está apresentando expectativas de crescimento muito abaixo da média prevista para a economia mundial, da média prevista para a o grupo de emergentes e em desenvolvimento e abaixo da média para a América Latina e Caribe.

Dentro das questões subjetivas que são consideradas temos a insistência do governo brasileiro em realizar déficits fiscais robustos agravada com a quebra da regra do teto de gastos, passando pelo calote de precatórios e manutenção de orçamento secreto. Outra variável que não está sendo considerada e que poderá (e irá) afetar o crescimento de nossa economia nos próximos dez anos é a condição imposta para nossa educação nos anos de pandemia.

Nos modelos de crescimento econômico a variável “tecnologia” possui peso relevante para a determinação do crescimento e dentro dela está inserida a educação, ou seja, o nível de escolaridade das crianças, dos jovens e dos adultos. No caso concreto é esperado um prejuízo de conteúdo ocasionado pelo sistema à distância. E ainda não estamos vislumbrando estratégias compensatórias. Com isto, sem uma estratégia de reposição destes conteúdos, é praticamente certa que a velocidade de nosso crescimento continuará sendo lenta. Muito lenta.


terça-feira, 2 de novembro de 2021

Semana “curta”

Mesmo em semana considerada “curta” por conta do feriado muitas coisas acontecerão na economia. Já circulam nos noticiários especulações acerca das divulgações da semana: ata do Copom e divulgação dos balanços dos bancos no Brasil e a possível decisão do Banco Central dos Estados Unidos em iniciar a retirada dos incentivos da economia, além da continuidade das tensões políticas internas e externas.

Quando os economistas e analistas elaboram as suas projeções eles consideram as expectativas acerca dos indicadores. Isto é matéria obrigatória nos cursos de macroeconomia: o estudo do papel das expectativas. Elas compõem praticamente todos os modelos econômicos de projeções e servem de subsídios para as decisões de política monetária, por parte do governo, e para a tomada de decisões das ações dos demais agentes econômicos. 

O que o Banco Central do Brasil (Bacen) divulga semanalmente é o resultado de uma coleta destas projeções que são feitas por bancos, gestores de recursos, empresas não-financeiras, consultorias, associações de classe e universidades, entre outras instituições com especialidade no acompanhamento da conjuntura econômica. Os dados coletados são tabulados e divulgados através de sua mediana, que nada mais é do que uma medida de tendência central. Quando temos o valor da mediana entendemos que metade dos dados está abaixo do valor mediano e a outra metade está acima.

Na divulgação das expectativas desta semana o relatório do Bacen apontou que a expectativa acerca da inflação para este ano está em 9,17%, o crescimento do PIB em 4,94%, a cotação do dólar em R$ 5,50, os juros a 9,25% e a dívida líquida do setor público em 60,30% do PIB. Mas estes são os valores medianos. Se formos mergulhar no conjunto dos dados coletados encontraremos expectativas mais otimistas e as mais pessimistas.

Estas expectativas mudam praticamente todos os dias a partir das tensões políticas internas que vivenciamos quase que diariamente e a partir de eventos econômicos e políticos que ocorrem no mundo todo. As expectativas mais pessimistas apontam para uma inflação para este ano de 9,87%, um crescimento do PIB em 4,49%, uma cotação do dólar em R$ 7,00, os juros a 9,75% e uma dívida líquida do setor público em 61,00% do PIB.

Outras divulgações na área econômica na semana tratarão de alterar estas expectativas, que sempre se ajustam aos eventos e ao final do ano convergem para os resultados que serão observados efetivamente. No Brasil além da divulgação da ata da última reunião do Copom e dos balanços dos bancos também teremos a divulgação da Pesquisa Industrial Mensal do mês de setembro. Já no plano internacional teremos a divulgação da taxa de desemprego e das vendas no varejo na Zona do euro, dados do mercado de trabalho, decisões sobre os juros e dados sobre a folha de pagamento não-agrícola (payroll) nos Estados Unidos.

Para uma semana tida como “curta” muitos eventos econômicos estarão ocorrendo combinados com a divulgação dos resultados dos eventos anteriores. Mas os resultados para este ano muito pouco se alterarão para melhor uma vez que as ações de políticas monetária e fiscal para tentar ajustá-los não surtirão efeitos imediatos. 

Temos que cobrar da equipe econômica do governo ações efetivas, o que não está ocorrendo. E quanto mais eles se mantêm na inércia, mais se complicam as expectativas econômicas para os próximos anos. E como já foi dito: as expectativas se consolidam, ou seja, as coisas podem piorar nos próximos anos se o governo continuar na inércia e não “se mexer”.