terça-feira, 30 de junho de 2020

Do jeito que está não pode ficar

Na semana passada o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira concedeu uma entrevista para o professor Marco Antonio Villa, em seu canal do YouTube. Foi um bate-papo que abordou nossa história econômica e política recente. O título da entrevista foi definido a partir de uma afirmação do professor Bresser-Pereira: “Liberalismo econômico é incompatível com o desenvolvimento do Brasil”.

Ficou evidente a importância que Bresser-Pereira aponta para a taxa de câmbio e para o nível de investimento na economia. Destaco aqui o investimento que em macroeconomia é definido como a aplicação de recursos em meios que levam ao crescimento da capacidade produtiva. Por conta disto o investimento também é chamado de formação bruta de capital e está diretamente ligado ao crescimento e desenvolvimento de uma economia.

O nível de investimento de uma economia é fundamental para o seu crescimento e desenvolvimento, entretanto a sua origem ou formação pode influenciar outros eventos econômicos. Neste ponto que reside a crítica de Bresser-Pereira ao liberalismo econômico, pois ele não concorda com o crescimento baseado em endividamento externo da mesma forma que critica os economistas desenvolvimentistas (linha de pensamento ao qual ele se auto enquadra) ao concordarem com o crescimento lastreado em poupança externa, gerando déficits sucessivos em conta corrente.

Na análise econômica simplificada e introdutória é ensinado que o nível de investimento é igual ao nível de poupança. Porém, esta simplificação parte das condições de equilíbrio nas contas públicas e no balanço de pagamentos. No caso brasileiro as contas públicas estão deficitárias e há superávits sucessivos no balanço de pagamento. Assim, o governo tem como alternativas o endividamento externo e a atração de poupança externa para poder manter um determinado nível de investimento como forma de buscar o crescimento da economia.

Para melhorar este cenário e conseguir potencializar o nível de investimento a partir da poupança doméstica uma das alternativas seria o setor público reverter o déficit nas contas públicas para que passemos a ter poupança pública. Só que esta possibilidade não ocorrerá nem no curto e nem no médio prazo, uma vez que a previsão é de que as contas públicas “entrem no azul” somente em 2033. Isto se não tivermos mais nenhuma crise econômica ou política neste período.

Este cenário pode ser amenizado, porém é nítido que algumas medidas devem ser tomadas e dentre elas quero destacar a necessidade de uma reforma administrativa no setor público e a mudança de postura dos governos estaduais e municipais acerca do conceito e da prática de investimentos. No caso da reforma citada temos que, com o advento da pandemia atual, é sabido por todos que teremos mudanças no comportamento das pessoas e também das empresas. Porém, também há a necessidade de mudanças no comportamento do setor público. Se antes disto já era necessária uma reforma administrativa no setor público, com as mudanças comportamentais após o fim da pandemia se torna mais evidente e urgente que ela ocorra.

Estas mudanças passam pela produtividade do setor público e pela eficiência de seus investimentos na contribuição para o aumento da capacidade produtiva da economia, seja de forma direta, atendendo demandas da sociedade onde a iniciativa privada não queira atuar, ou de forma indireta, através da garantia de um estado de bem-estar social. O que é certo é que o setor público não pode ficar do jeito que está.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Não há espaço para experiências


O quadro econômico atual está muito adverso e os indicadores estão piorando. A atividade econômica está caindo e com isto aumenta o desemprego e reduz a renda média, o que se caracteriza como um fator retroalimentador da redução do nível de atividade.

Com efeito, espera-se que a piora nestes indicadores arrefeça a inflação. Só que não é bem isto que está sendo apresentado como tendência. As expectativas acerca dos índices de preços sinalizam para um aumento dos níveis gerais de preços. A combinação de aumento de preços com aumento do desemprego e redução da renda média é explosiva, ou seja, causará uma deterioração dos indicadores sociais e econômicos.

Se nas expectativas medianas nossa economia irá crescer cerca de 4% no período de 2020 a 2024 do lado dos preços as expectativas também não são tão boas. No quadro mediano a inflação, medida pelo IPCA, apresenta uma expectativa de aumento de 16% no período. Pois bem, baixo crescimento significa baixa geração de empregos e baixo nível de renda e, com os preços aumentando numa proporção vigorosa, o que teremos é um aumento da pobreza e da extrema pobreza.

Algumas pessoas podem até reclamar que esta previsão é muito pessimista. A previsão pessimista é de um aumento da inflação em cerca de 20% no mesmo período e sem crescimento da atividade econômica. Portanto, há muito que se preocupar com a conjuntura econômica atual e como que o governo federal irá fazer o enfrentamento desta crise.

Nossa sociedade não suportará que se façam experiências heterodoxas ou de novas teorias de política econômica. Nesta linha temos que algumas sugestões extravagantes estão sendo apresentadas por analistas governistas de plantão.

Muitos já rechaçam a possibilidade de emissão de moeda e já é sabido que os resultados da emissão monetária com sucessivos déficits públicos sempre ou quase sempre geram mais inflação. Neste contexto nossa economia está tendo déficits públicos sucessivos e a base monetária ampliada vem crescendo nos últimos anos. O papel moeda emitido também está crescendo e no mês de abril apresentou o maior volume dos últimos dez anos. Há quem sugira que o governo faça investimentos com os recursos das reservas internacionais. Outro erro. Tem o mesmo efeito de emissão de moeda.

Os defensores da política econômica do governo poderão argumentar que a inflação está caindo. É verdade, o índice geral está bem abaixo das expectativas, tendo apresentado deflação de 0,16% nos cinco primeiros meses do ano. Mas quem disse que deflação é bom? A resposta depende do ambiente econômico. Também não devemos olhar somente o índice geral. Temos que considerar os grupos de despesas que compõem o índice, bem como os seus subgrupos e itens.

O grupo de alimentação e bebidas apresentou aumento de preços de 3,7% de janeiro a maio deste ano. Os preços da alimentação no domicílio aumentaram uma média de 4,3%, com destaques para o arroz (10,2%), feijão (24,5%) e leite longa vida (10,5%). Já a alimentação fora do domicílio apresentou aumento médio de preços de 2,4%.

A situação não está nada boa para os mais pobres. Com a pandemia tivemos aumento do desemprego contrastando com aumento do custo de vida e estas condições colocam muitas famílias brasileiras em condições de maior vulnerabilidade social.

Não é momento para se testar teorias modernas. A sociedade brasileira necessita de discussões responsáveis sobre as ações que devem ser realizadas para amenizar os efeitos da crise econômica atual e sobre as formas de retomada do crescimento.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Pontos cegos

A cada dois anos nosso país passa por eleições e por conta disto muitos fatos que afetam diretamente a vida cotidiana dos brasileiros desaparecem do discurso de quem está com mandato eletivo, surgindo somente nos discursos de quem se intitula como sendo oposição. Até aí, tudo normal. Afinal de contas eleições são disputas entre grupos políticos. Porém, a omissão ou distorção dos fatos é muito danosa para a sociedade.

Na economia também é assim. Muitos agentes políticos que possuem mandatos eletivos, independente se a nível federal, estadual ou municipal, tentam disfarçar a realidade apresentada pelas estatísticas. O desemprego aumentou e está assombrando muitas famílias e a extrema pobreza está crescendo vigorosamente.

Cabe ao setor público implementar ações no sentido de minimizar esta situação. Só que como este ano tem eleições municipais os agentes políticos tentam transmitir uma mensagem de que a situação não está tão ruim assim. Tentam criar “pontos cegos” para os eleitores.

A crise econômica atual, causada pelos efeitos da pandemia, é a mais grave dos últimos cem anos. No cenário mediano nossa economia deverá encolher algo em torno de 6,5%. No cenário otimista esta queda ficará em torno de 4%, mas tem os mais pessimistas que apontam para uma queda de 11%.

Pois bem, o nível de atividade econômica influencia diretamente no nível de emprego. Portanto, se a economia não crescer, não gera empregos e o volume de renda real reduz, aumentando a pobreza e a extrema pobreza.

Para ter uma ideia do “tamanho do buraco”, no plano mediano nossa economia encerrará o ano de 2020 operando nos níveis do ano de 2008. Isto influenciará todos os indicadores econômicos e sociais. Como contraponto os governos devem lançar mão de políticas econômicas e sociais para abrandar os efeitos perversos sobre a população, principalmente para os que se encontram em condições de vulnerabilidade social.

Quando tentam demonstrar como se dará a recuperação da economia muitos agentes políticos afirmam que será rápida e vigorosa. Não será. De acordo com as mesmas expectativas medianas, no ano de 2024 a atividade econômica deverá estar operando nos níveis do ano de 2014 e para os mais pessimistas estaremos operando nos níveis de 2010.

Levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), aponta que a retomada da economia brasileira será mais lenta que em 90% dos países. Na América do Sul apenas a Venezuela terá desempenho pior que o brasileiro.

Estes apontamentos consideram a capacidade de respostas do setor público brasileiro para as crises e ela não é muito positiva, uma vez que a União, estados e municípios estão, há muito tempo, passando por uma crise fiscal sem precedentes. As contas públicas de muitos entes federados estão desequilibradas. Muitos estão sem condições sequer de arcar com a folha de pagamento do funcionalismo público.

O governo federal deverá ultrapassar o teto de gastos já em 2021 e as contas públicas deverão se equilibrar somente em 2033, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. Com efeito, a dívida pública deverá aumentar muito, o que poderá pressionar as taxas de juros para cima. Sem sombras de dúvidas a insistência dos agentes políticos em criar “pontos cegos” para os eleitores está causando muitos danos.

Por conta disto, o debate sobre a retomada da economia e sobre uma nova forma de atuação do setor público deve ser ampliado com toda a sociedade. Todos podem e devem participar desta discussão.

sábado, 6 de junho de 2020

Uma nova mensagem a Garcia


A recuperação da economia após o término da pandemia começa a ser discutida por muitos agentes políticos. O governo federal não deixou claro se está discutindo isto e se está não fez nenhum comentário. Alguns governadores anunciam que também estão discutindo o tema. Daqui a pouco, por conta de 2020 ser um ano eleitoral, até prefeitos vão divulgar que estão discutindo a retomada da economia.

Estes debates acerca de como funcionará a economia após o fim da pandemia não pode ficar restrito aos palacetes acarpetados dos mandatários e de seus círculos restritos de assessores. Tem que haver publicidade dos caminhos que estão sendo traçados, pois o comportamento do setor público irá repercutir diretamente na vida de todos os cidadãos.

Antes da crise atual a economia brasileira estava passando por uma crise fiscal sem precedentes. Isto tem relação com as receitas e com as despesas públicas e o atual quadro econômico está agravando a situação fiscal brasileira. Com efeito, num futuro próximo haverá necessidade de um esforço maior para tentar equilibrar as finanças públicas.

É isto que nossos governantes não querem discutir publicamente, pois as soluções discutidas podem não ser tão agradáveis para a totalidade da sociedade, principalmente para os mais pobres.

Esta opinião se fundamenta no fato de que no momento atual as receitas públicas estão reduzindo por conta do baixo nível de atividade econômica. Entretanto, as despesas não acompanham este movimento. Pelo contrário. Em muitos casos as despesas públicas estão aumentando. Por conta disto há previsão de aumento do déficit público para este ano.

Muitas pessoas podem achar que o déficit do setor público não atinge suas vidas. Ledo engano. Atinge a todos, e de forma mais violenta as famílias mais pobres. O desequilíbrio nas contas públicas é compensado com o aumento do endividamento do setor público e para conseguir fazer os empréstimos necessários pode ocorrer o aumento dos juros básicos da economia que afeta negativamente a capacidade e interesse de investimento das empresas. Daí a atividade econômica arrefece, desacelera, podendo estagnar ou mesmo reduzir. Isto gera mais desemprego e queda na renda das pessoas.

Por conta disto é preciso começar a discutir a retomada da economia e neste contexto discutir como o setor público terá que atuar. Como deverá ser realizada a política fiscal da União, dos estados e dos municípios. Esta discussão não pode ficar restrita, deve ser ampla. A forma com que nossos agentes políticos decidem arrecadar e, principalmente, como decidem gastar os recursos públicos é de interesse de todos.

É certo que eles estão discutindo formas de arrecadar mais para cobrir o rombo nas contas públicas, mas devem discutir o “como gastar”. Como que devem ser gastos os recursos públicos disponíveis. Deve haver mais transparência e mais participação da sociedade nestas discussões, pois as notícias de corrupção e desvios de recursos públicos continuam “pipocando” diariamente, e não há transparência suficiente dos gastos públicos.

O mundo não será o mesmo após a pandemia do coronavírus e, certamente, a economia também não. Quem acreditar que nada mudará está vivendo como Alice, no país das maravilhas. Alguém ou alguns terão que levar esta notícia para eles. Fazer o papel de Rowan, personagem do conto do jornalista americano Elbert Hubbard, intitulado “Mensagem a Garcia”.

Todas as pessoas devem se preocupar como está sendo gasto o dinheiro público, pois disto depende o tempo de recuperação de nossa economia. Disto depende a redução do desemprego.