sábado, 30 de março de 2019

A falta de estratégia

O governo Bolsonaro está próximo de completar os primeiros cem dias e ainda não mostrou a que veio. São muitos anúncios de decisões que foram obrigados a reconsiderar e uma inépcia de muitos de seus membros com as questões específicas de cada área que começa a deixar certa desconfiança em todos se este governo realmente terá condições de conduzir politicamente e efetivamente nosso país.

É um governo cuja maioria de seus membros é neófita. Muitos não são especialistas nas suas áreas ou possuem ideias que conflitam com muitas lideranças políticas ou mesmo com a população. As únicas áreas que estão transmitindo mais segurança em seus atos são a Economia, com Paulo Guedes, e a Justiça, com Sérgio Moro.

Com isto a confiança e credibilidade do governo começam a sofrer questionamentos e os indicadores econômicos e sociais podem começar a piorar. Isto já pode ser sentido nas expectativas do mercado para com o desempenho de curto prazo dos principais indicadores econômicos. Na prática esta piora já começa a ser efetivada com a divulgação do resultado da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD-Contínua) do trimestre encerrado em fevereiro deste ano. Os dados da PNAD-Contínua apresentaram uma piora nos indicadores de emprego e desemprego.

Agora o desemprego no mercado formal já atinge mais de 13 milhões de brasileiros, um aumento de 892 mil pessoas, comparado com o resultado de novembro de 2018. O nível de emprego no mercado informal também reduziu o que leva a considerar um aumento do desemprego também neste setor. Somente no período de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019 o país passou a ter cerca de 1,4 milhão de desempregados a mais. Raras as exceções, esta tendência de aumento do desemprego deve ter se repetido pelo Brasil afora. Isto sem falar na piora de outros indicadores.

O governo Bolsonaro deve mostrar a que veio e começar a apresentar e defender medidas efetivas para a redução do déficit fiscal e para a retomada do crescimento econômico com a consequente reversão dos indicadores de emprego e renda. Nem a reforma da Previdência que está recebendo o apoio maciço de muitas pessoas parece entusiasmar o próprio governo.

Segundo membros da própria equipe econômica do governo, a principal medida que é considerada como viabilizadora do crescimento econômico é a reforma da Previdência, só que esta deverá demorar alguns meses sendo debatida no Congresso Nacional e a proposta será “desidratada” neste processo, o que reduzirá os efeitos práticos esperados na economia.

Com efeito, temos que os trabalhadores assalariados bem como os empresários brasileiros continuarão amargando tempos difíceis neste começo de novo governo. Novo que já se tornou velho e que poderá ter a sua credibilidade reduzida levando a demonstrar que, embora em seu começo, já esteja próximo do seu fim.

As críticas à ausência de tecnicalidade de seus membros, à quantidade de militares nos primeiros escalões e, principalmente, à falta de sintonia entre os seus membros e o mandatário-mor deixam transparecer o que pode se tornar a tônica deste mandato e que logo muitas pessoas estarão torcendo para que acabe.

O governo ainda está no começo e é possível reverter esta tendência, porém o Presidente deve começar a montar as estratégias de gestão de forma mais responsável e consultando técnicos que tenham capacidade de elaborar as políticas públicas que tanto necessitamos, sem devaneios ideológicos e sem militância virtual efetuando linchamento de qualquer pessoa que faça comentários negativos acerca das ações do governo. Todos devem aprender a viver na diversidade de ideias e comportamento. 

sábado, 23 de março de 2019

“Après moi, le déluge”

A cada dia que passa mais e mais pessoas começam a se preocupar com o futuro de nosso país. Parece inevitável que estejamos caminhando para o início de um período muito conturbado para todos. Tal abordagem pode até parecer alarmista e pessimista, mas classifico-a como sendo realista. Não se vê e nem se ouve nossos políticos anunciarem suas preocupações com o desemprego, com o baixo crescimento da economia, com o alto endividamento do setor público, com o nível da inflação e por aí adiante.

O que presenciamos é que os deputados federais e senadores comentam sobre o déficit público e sobre a necessidade de se efetuar reformas para equilibrar as contas públicas. Mas em nenhum momento estes se colocam de forma efetiva na defesa dos reais interesses dos cidadãos brasileiros. Eles se limitam a anunciar que é necessária a reforma da Previdência para equilibrar as contas públicas e sequer ensaiam a discussão de outras formas alternativas de se reduzir o déficit fiscal.

De forma análoga, não vemos, nem ouvimos e nem lemos, nenhuma declaração de nossos deputados estaduais sobre estas mesmas questões. É como se na dimensão política do estado não tivéssemos estes problemas econômicos. O mesmo acontece com os vereadores: nenhuma citação ou preocupação com questões financeiras e econômicas da sociedade. Se depender das questões econômicas conjunturais ou estruturais nossos deputados estaduais e nossos vereadores não terão sequer uma nova ruga na face.

Quando se anuncia que a inflação média brasileira para os próximos anos deva ficar em torno de 4% ao ano as pessoas reagem como se isto fosse muito baixo. Parece que esqueceram que a inflação corrói o poder aquisitivo do dinheiro e, por consequência disto, o poder aquisitivo dos salários. Nossos políticos não se preocupam com isto.

Quando se anuncia que temos cerca de 12 milhões de pessoas desempregadas, sem falar naqueles que estão no desalento e os que estão desempregados por trabalho precário, não vemos manifestações vigorosas de nossos políticos, afinal de contas quem fica desempregado são os trabalhadores pobres e dependentes das políticas públicas.

Quando se anuncia que a dívida líquida do setor público irá atingir o equivalente a 60% do PIB também não vemos e nem sentimos a preocupação de nossos políticos, afinal de contas quem irá pagar esta dívida são os trabalhadores e os empresários com o aumento dos impostos e das taxas de juros.

Seria muito gratificante presenciar a discussão destas questões econômicas conjunturais e estruturais ocorrendo em audiências públicas nas assembleias legislativas e câmaras de vereadores pelo Brasil afora. Mas o que vemos é o dispêndio de energia política local e de recursos públicos para a discussão de questões periféricas que muito pouco irão alterar a vida dos cidadãos brasileiros. Seria muito exigir isto de nossos agentes políticos?

Para a prática deles se aplica a máxima de não se preocupar com os outros, somente com eles mesmos. O economista e filósofo austríaco Friedrich August von Hayek, usou a citação “après moi, le déluge”em sua obra “Desemprego e Política Monetária” para tipificar as atitudes dos políticos ao se preocuparem somente com as próximas eleições. Esta frase significa “depois de mim, o dilúvio” e é atribuída, inicialmente, ao rei Luis XV quando a monarquia francesa estava próxima de seu fim.

E é esta a sensação que temos, no mesmo contexto que Hayek a apresentou. Parece que nossos políticos estão sempre preocupados com as próximas eleições e suas ações se limitam a isto, não se preocupando com as questões nevrálgicas que podem consumir nossa sociedade como um dilúvio.

sábado, 16 de março de 2019

Destruindo muralhas


A cada dia que passa novos acontecimentos surgem para demonstrar que nosso país está longe de encontrar um modelo de gestão político-administrativa que atenda as necessidades da população de forma eficaz e eficiente. O mantra indicado neste espaço é de que antes de se discutir a reforma da Previdência se discuta o pacto federativo e a distribuição de recursos entre os poderes. Pois bem, O pacto federativo já entrou no assunto.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, indicou a intenção de se acabar com os gastos obrigatórios nos orçamentos federal, estaduais e municipais, apontando que a definição dos gastos deva ficar com os representantes políticos. Ele apresentou tal proposta como uma alternativa de mudança no pacto federativo.

Na realidade ele verbalizou que a proposta implica em extinguir as vinculações constitucionais, aquelas que obrigam os governos a efetuarem gastos mínimos com saúde e educação, deixando a definição de onde e como aplicar os recursos públicos para vereadores, deputados estaduais e federais e senadores.

Temos que avaliar a proposta com uma perspectiva mais crítica. Na verdade, em muitos casos, as vinculações constitucionais são elevadas para muitos municípios e estados e levam os respectivos gestores a efetuarem desvios de finalidade dos recursos, embora a saúde e educação estejam sempre presentes nos discursos deles.

Como estratégia de diálogo e convencimento para aprovação da reforma da Previdência o ministro apresenta esta proposta que nada mais é do que dizer para os agentes políticos que eles podem aplicar os recursos públicos de qualquer forma sem se preocupar com limites mínimos.

Vejamos o perfil de nossos legisladores municipais, estaduais e federais: muitos deles possuem capacitação, conhecimento e sensibilidade para tratar destas questões com a devida responsabilidade. Mas, muitos outros não. E temos um exemplo recente que podemos inferir como sendo uma amostra do perfil de legisladores que temos no país: em Goiânia uma diretora de escola foi violentamente agredida por assessor de um vereador pelo simples fato de que ela tentou impedir que fixação de uma faixa na fachada da escola. A faixa era um agradecimento ao vereador. Vejam bem: o vereador mandou fazer uma faixa agradecendo algo a ele mesmo e enviou seus assessores para fixa-la em frente à escola. Outro absurdo do cotidiano brasileiro.

O que Guedes fez foi “entoar o canto da sereia” apontando que com a desvinculação de recursos vereadores, deputados estaduais e federais e senadores é que indicarão onde o total da receita deverá ser aplicado. Isto é temerário. As mudanças sinalizadas como sendo no pacto federativo tratam de questões fiscais sem a indicação de responsabilidades, que é o tema central que deve ser debatido.

Em recente encontro dos governadores dos estados do nordeste foi divulgada uma carta onde aponta a discordância destes com a proposta de desvinculações de receitas para as despesas obrigatórias com saúde, educação e fundos constitucionais.

A batalha do governo federal para aprovação da reforma da Previdência utilizará armas mortais para a sociedade no tocante aos investimentos em saúde e educação e nas políticas de assistência aos mais pobres. E quem está apoiando as propostas do governo são militantes virtuais que parecem não compreenderem os rumos que nossa sociedade está tomando.

Enquanto isto, no mundo real, a população dá mostras de letargia ao não se manifestar quanto às grandes transformações que estão propondo para nosso país. Só que depois de aprovadas não vai adiantar mais reclamar, pois daí “as muralhas já ruíram e os bárbaros já entraram”.

domingo, 10 de março de 2019

Leis para quê?

Nosso país possui um conjunto muito grande e complexo de leis para normatizar e regulamentar a maioria das questões necessárias para que as pessoas consigam conviver em sociedade. Entretanto, temos que considerar que para se cumprir a legislação existente as pessoas tenham que ter o devido conhecimento dela.

Só que no Brasil tem-se como norma de que todo cidadão tem a obrigação de tomar conhecimento das leis aprovadas pelo seu ato de promulgação, sanção ou publicação. Com isto fica definido que a eficácia da legislação é imediata. Só que na prática as coisas não acontecem desta forma. Muitas pessoas (talvez a maioria dos brasileiros) não tem conhecimento de boa parte da legislação existente, o que dificulta o seu cumprimento.

O poder legislativo elabora e aprova as leis, o poder executivo sanciona e publica e todos acreditam, de forma muito ingênua, que todos os cidadãos tomarão conhecimento das mesmas e passarão a cumpri-las.

No mundo real as coisas não acontecem desta forma, para tudo tem que se ter fiscalização. A vida cotidiana dos brasileiros é repleta de código para muitas coisas e com este emaranhado de normas fica praticamente impossível que o cidadão tome conhecimento e passe a cumprir fielmente o que está estabelecido na legislação. Por isto a necessidade e importância da fiscalização.

Também temos que ressaltar que a elaboração e aprovação de leis é papel de extrema importância e deve estar sob a responsabilidade de pessoas capacitadas e escolhidas para tal, ou seja, os nossos legisladores. Por isto quando escolhemos vereadores, deputados estaduais, senadores e deputados federais não podemos ter como critério de escolha a afinidade pessoal que temos com o candidato ou com a candidata. Temos que ter a convicção da sua capacidade e competência para exercer a função de legislar e de fiscalizar. Mas infelizmente não é isto que vemos sendo praticado como critério para as escolhas. Com isto perde toda a sociedade.

Como um exemplo simples e local da dificuldade de publicidade e fiscalização das leis existentes pode-se questionar os cidadãos locais sobre o nível de conhecimento que eles possuem acerca do Código de Posturas do município. Este código nada mais é do que uma lei municipal que estabelece as normas que devem ser cumpridas pelos munícipes para a manutenção da ordem pública.

No município de Apucarana o Código de Posturas possui mais de duzentos artigos com parágrafos e alíneas que estabelecem regras a serem cumpridas. No caso concreto, em seu artigo 13 é estabelecido que os moradores, os comerciantes e os industriais são responsáveis pela limpeza das calçadas e sarjetas fronteiriças a sua residência ou estabelecimento. Porém, o que vemos é o afrontamento ao referido diploma legal, pois temos calçadas mal cuidadas em nossa cidade, isto sem falar em muitas sarjetas imundas que entopem os bueiros.

Para isto os municípios precisam ter os fiscais de posturas: para fiscalizar o cumprimento do que está estabelecido na legislação, sendo que este trabalho é externo. Não se faz a fiscalização de posturas “por detrás de uma mesa”.

Com efeito, temos que a maioria das leis não é fiscalizada adequadamente e com isto o seu cumprimento pode chegar a inexistir. E continua a criação de mais leis que terão o mesmo fim das atuais. Se existem as leis também deve existir a sua fiscalização, caso contrário teríamos que questionar a continuidade da criação de novas leis. Ao se avaliar a criação de novas leis deve-se avaliar, também, a capacidade de implementação e fiscalização. Caso contrário serão mais leis que não serão cumpridas.

sábado, 2 de março de 2019

Idas e vindas


A população brasileira ainda está vivenciando um período eufórico com a eleição e posse de Jair Bolsonaro. A militância virtual se mantém firme no combate (e porque não dizer massacre) de qualquer notícia ou pessoa que se coloque como crítica ao novo governo. Até aí é tudo natural. Mas o período probatório já acabou e o governo Bolsonaro deve começar a mostrar a que veio.

A agenda real e necessária para este período é muito dura e impopular e vai exigir firmeza de propósito e muita dedicação para ser cumprida. Só que nos primeiros sessenta dias de governo o presidente Bolsonaro conseguiu demonstrar uma verdadeira falta de sincronismo ao recuar inúmeras vezes de decisões tidas como tomadas e anunciadas.

Outra questão nevrálgica que está abalando a estrutura do governo Bolsonaro é a constante preocupação com a opinião da militância virtual que age de forma coordenada na tentativa de impor suas opiniões e vontades.

As primeiras estatísticas econômicas começam a ser divulgadas e as análises sobre os rumos que nosso país irá tomar já estão sendo prospectadas. Embora o governo ainda goze de grande aprovação cerca de um terço da população não acredita que ocorrerão melhoras na geração de emprego, no aumento da renda, na saúde, educação e segurança pública. Pesquisa recente indicou que o governo Bolsonaro é considerado bom ou ótimo por 38,9% da população, índice alto, porém menor do que os índices obtidos em primeiro mandato por Lula e Dilma.

Bolsonaro agrada o mundo virtual, mas no mundo real ainda tem que mostrar a que veio. As expectativas econômicas para o quadriênio 2019-2022 não entusiasmam: a inflação deve ficar na faixa de 4% ao ano, o crescimento da economia em 2,5% ao ano, o câmbio deve aumentar um pouco e os juros básicos devem subir muito. Isto sem falar que a reversão do déficit fiscal deve acontecer somente no último ano do mandato.

É fato que as coisas não andam boa para a economia brasileira. O resultado primário de janeiro, embora tenha sido positivo, acumula no fluxo de 12 meses um déficit de R$ 108 bilhões e o resultado nominal, que considera os juros de dívidas, acumulou um déficit de R$ 480 bilhões, equivalente a 6,95% do PIB. Para 2019 a expectativa é de que a Dívida Líquida do Setor Público atinja o equivalente a 56,1% do PIB com tendência de crescimento, encerrando o primeiro mandato de Bolsonaro em 60,2% do PIB.

Realmente os indicadores não estão favoráveis e para melhorar isto é necessário começar a agir no mundo real e não somente no virtual. A pressa em se tramitar propostas de campanha como o pacote anticrime e a proposta de reforma da Previdência foram encaminhadas sem nenhuma articulação política por parte do governo. Isto demonstra que os projetos deverão sofrer mudanças estruturais que os desfigurarão e poderão torná-los sem efeitos práticos.

Entre idas e vindas o que fica evidente é que o governo Bolsonaro não sabe para que lado seguir. O mesmo está acontecendo com o episódio da crise na Venezuela que num momento o governo brasileiro ameaça o enfrentamento e em outro tenta se colocar como mediador. É “muita bateção de cabeça”.

Para buscar ser mais efetivo e eficiente na questão econômica o governo precisa mirar o foco na redução do déficit fiscal com ação efetiva imediata, pois disto irá depender todo o sucesso das ações que demandam financiamento, uma vez que sem dinheiro muito pouco se faz. O crescimento econômico médio de 2,5% é muito pouco e não dará conta de gerar os empregos que nossa economia necessita. Por isto o governo deve fixar seus objetivos, se articular melhor e parar de mudar de rumos e opiniões como uma pessoa troca de roupa.