sábado, 28 de março de 2020

Falsa dicotomia


Nosso país está convulsionando. Muitas pessoas podem dizer que isto é comum no Brasil, só que as coisas estão tomando rumos extremamente graves que pode potencializar um aumento significativo de mortes. É claro que a temática abordada é a pandemia do Covid-19 e as estratégias brasileiras para o seu enfrentamento.

Muitos países também estão passando pelo mesmo problema brasileiro e alguns já passaram. Em todos os casos ocorreram grande quantidade de infectados e muitos óbitos. Agora qualificar se a quantidade de óbitos foi alta ou baixa, já é uma questão difícil de avaliar. Estatisticamente falando a letalidade do vírus pode até ser considerada baixa, porém, humanamente falando não podemos aceitar sequer uma morte.

O grande motivo da convulsão citada é justamente o embate travado entre parcela da população (incluindo parcela de nossos agentes políticos) que prega o isolamento social como medida eficaz para amenizar os episódios de contágio e, consequentemente, de óbitos e outra parcela que está preocupada com os efeitos econômicos que o isolamento ocasionará na economia.

As alegações de ambos os lados são factíveis e aceitáveis, porém não podemos colocar a situação como sendo uma dicotomia, onde se colocam duas posições, ações ou eventos como sendo antagônicas. Nesta situação não se tem um antagonismo, mas ações complementares e dependentes.

Diversas manifestações com carreatas e buzinaços ocorreram nesta semana para pressionar prefeitos para liberarem a abertura do comércio em suas respectivas cidades. As alegações são coerentes e devem ser consideradas, poderá gerar desemprego e crise com a falência de muitas empresas de micros e pequenos portes. Na realidade, já está ocorrendo desemprego.

Os impactos na economia já começaram independente do fechamento (ou não) do comércio em algumas cidades. O próprio governo federal já revisou a expectativa de crescimento da economia, que na semana anterior era de 2,1% para o ano de 2020, para 0,02% após o início da pandemia no país. Portanto, é claro que haverá aumento do desemprego.

Agora, com o fechamento do comércio por algumas poucas semanas este problema irá se agravar, sim. Haverá empresas que demitirão funcionários porque não irão conseguir manter os seus custos fixos e os salários. Muitos empresários correrão risco de ter que encerrar atividades.

Agora indicar que o isolamento social não é necessário é um erro que custará muitas vidas. Não podemos aceitar e nos conformar com a afirmação do Presidente de que “infelizmente algumas mortes terão. Paciência”. Isto poderia ser considerado criminoso.

O isolamento social serve, também, para reduzir a chamada “curva” do coronavírus. O objetivo disto, num primeiro momento é diminuir a velocidade de crescimento do contágio para evitar sobrecarga no sistema de saúde. Se o sistema de saúde colapsar, daí sim ocorrerá um volume muito maior de contaminação e óbitos e os impactos sobre a economia serão ainda mais devastadores.

O que está demorando acontecer no Brasil é o governo federal, principalmente o Presidente, assumir o protagonismo positivo de enfrentamento a crise e anunciar medidas efetivas para auxiliar a parte econômica.

Quem tem que dar solução para a crise econômica com medidas que garantam renda para as pessoas comprarem alimentos é o governo. Também tem que ter medidas de socorro e apoio aos micros, pequenos e médios empresários para manterem seus empreendimentos. O governo não pode permitir que uma quebradeira de empresas ocorra no país. As ações divulgadas até o presente momento são superficiais e precisam ser potencializadas.

sábado, 21 de março de 2020

Economia de guerra


Nesta semana, em conversa com uma amiga sobre a conjuntura econômica e social atual ela usou o termo “economia de guerra” para definir o que podemos passar nos próximos meses. Muitas pessoas podem até achar exagero, mas não podemos descartar tal possibilidade dada a inércia de nossos agentes políticos em assumir o protagonismo no combate à pandemia do coronavírus.

Economia de guerra trata-se de um fundamento econômico que ocorre quando um país ajusta todas as cadeias produtivas para produzir mercadorias e equipamentos voltados para um confronto armado. Há diversos relatos dos custos financeiros de uma guerra e suas consequências para as populações dos países envolvidos e alguns deles estudamos nos livros de história.

O que temos pela frente não é uma guerra no sentido literal, mas as consequências econômicas e sociais poderão ser similares dependendo das ações de nossos governantes. Podemos aprender algumas coisas com as experiências recentes dos chineses e dos italianos, porém a estrutura econômica e social de nosso país é diferente.

Os agentes políticos parecem estar totalmente “perdidos” sobre o que fazer para o enfrentamento da situação posta e algumas soluções começam a ser “copiadas” (no bom sentido) do que ocorreu em outras localidades do mundo.

O termo “economia de guerra” acredito que não se aplique no caso brasileiro em seu sentido estrito, porém as decisões que estão sendo tomadas pelos nossos agentes políticos estão contribuindo para gerar uma conjuntura calamitosa para nossa economia.

É fato que os governos, em especial o governo federal, tem que tomar medidas drásticas para o combate a esta pandemia só que nossos governantes parecem “perdidos”, sem saber o que fazer. O presidente Bolsonaro, que deveria assumir o protagonismo e apresentar medidas efetivas, não o faz. Os governadores, alguns mais reticentes, tomam medidas que ainda não é possível medir suas eficácias. E os prefeitos apresentam medidas proporcionais, sendo que a maioria com efeitos cosméticos.

Recentemente a chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que há a possibilidade de cerca de 70% da população alemã ser contaminada com o novo vírus. E há uma explicação científica para isto. A afirmação da dirigente é sóbria e todos sabemos que os governos devem tomar medidas para proteger os seus cidadãos.

Nesta linha o que o governo federal divulgou até o presente momento como medidas na área econômica ajuda a resolver alguns problemas pontuais, porém não estão anunciando “dinheiro novo” e sim antecipando execução orçamentária e fazendo alguns remanejamentos.

Estas medidas combinadas com as decisões de vários municípios de fechamento ou controle nos horários de funcionamento do comércio, setor de serviços e indústrias, com certeza ajudarão no combate à pandemia, porém gerarão uma nova onda de desemprego e o governo federal tem que se antecipar e tomar medidas para enfrentamento da crise econômica que se instalará após ou mesmo durante a crise do coronavírus.

Decisões como a de autorizar as empresas a reduzir em até 50% os salários dos funcionários geram pânico. É necessário que as pessoas mantenham o isolamento social para combater a propagação do vírus, porém muitas pessoas estão com receio de não trabalharem e não receberem os salários integrais. Já do lado dos empregadores, principalmente os micro e pequenos empresários, há a preocupação em como que pagarão os seus custos fixos de portas fechadas.

Este cenário de crise na saúde está gerando incertezas na área econômica que, com a letargia governamental em apresentar soluções que amenizem os danos e acalentem os cidadãos, irá gerar o agravamento da atual crise econômica.

sábado, 14 de março de 2020

Todo ano é sempre assim

Em nosso país deveria ter eleições municipais anualmente. Para presidente da República, deputados, senadores e governadores poderiam continuar sendo a cada quatro anos. A ironia na afirmação se dá pelo fato de que sempre em ano de eleições municipais milhares de cidades brasileiras “fervem em obras”.

Pelas minhas andanças motivadas pelo exercício de meu ofício me deparo com a aplicação do ciclo político tradicional de forma explícita. No estudo das teorias dos ciclos políticos muitos pesquisadores analisaram os comportamentos dos agentes políticos. Estes estudos datam da primeira metade do século passado e são válidos até os dias atuais.

Em 1957, o economista William Nordhaus, apresentou o modelo tradicional de ciclo político e apontou que este possui algumas premissas: os políticos intervêm em questões econômicas para maximizar votos; os resultados eleitorais dependem dos resultados econômicos; antes das eleições os políticos manipulam as políticas públicas para promover a sensação de crescimento econômico e redução do desemprego; e os políticos acreditam que os eleitores possuem um comportamento eleitoral retrospectivo e míope.

Estas premissas são válidas até os nossos dias, sim. Nas andanças citadas, e tenho certeza que muitas pessoas também se identificam com o aqui descrito, se tornou comum se deparar com muitas obras nos municípios por onde passei. É o ciclo político tradicional, onde os políticos começam os seus mandatos realizando poucas ações e criticando os seus antecessores e, à medida que vão se aproximando as eleições, o dinheiro que antes não existia aparece e as obras começam a “pipocar” em todos os cantos.

É uma verdadeira “febre”. Tudo de bom acontece em ano eleitoral. Se aparecer um buraco no asfalto, no dia seguinte é consertado. Não tem lâmpadas queimadas nos postas, as praças e parques ficam devidamente roçados e os seus bancos limpos e pintados.

Na saúde surgem as consultas e procedimentos especializados, coisas que não aconteciam nos primeiros anos do mandato, e há distribuição de medicamentos.

Na educação tem distribuição de materiais e uniformes escolares, ovos de chocolate na Páscoa, passeios divertidos e a merenda se torna farta e deliciosa.

Estes fatos elencados, que não são fictícios, tem relação com a teoria de Nordhaus. É o ciclo político tradicional tipificado como oportunista, onde os agentes políticos manipulam as políticas públicas, principalmente as econômicas, fazendo ter superávits consecutivos para potencializar gastos na véspera das eleições e conseguir a sua reeleição ou a eleição de seus apoiados e apaniguados.

Muita gente poderá torcer o nariz com estas afirmações e tecer muitas críticas, mas é isto que acontece. É fácil efetuar a verificação empírica. Basta observar com atenção o que aconteceu nos últimos três anos e o que está acontecendo, ou sendo prometido que será feito, neste ano. No ano das eleições.

E, de forma explícita, os políticos que se encontram no poder apostam na amnésia de memória recente e na miopia política de parte dos eleitores e conseguem convencê-los de que eles são bons gestores e que não convém promover mudanças, elegendo pessoas novas que são taxadas de inexperientes.

Parafraseando Chico Buarque, todo ano eleitoral é sempre assim, eles fazem tudo sempre igual. Sacodem os eleitores com obras, ações e discursos que tiram sempre o mesmo sorriso dos eleitores. Eles apostam que os eleitores não são racionais e que não analisam a trajetória completa do político. E é assim mesmo que acontece e daí começa um novo ciclo. Mas já é hora dos eleitores romperem com este modelo e começarem a agir com mais racionalidade na hora de suas escolhas políticas.

sábado, 7 de março de 2020

Para além do “gado”

Saiu o resultado do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, para o ano de 2019. Como não poderia ser diferente, no momento político atual, as redes sociais já “pipocaram” de críticas e de elogios ao desempenho apresentado. O PIB de 2019 teve uma expansão de 1,1% em relação ao ano de 2018.

O “gado” governista bolsonarista está comemorando como se a economia estivesse em franco crescimento e a situação econômica melhorando. Indo “de vento em popa”. Já o “gado” oposicionista esquerdista critica alegando que é o pior resultado dos últimos três anos e que a economia está indo “de vento em proa”.

Para quem não está habituado em ler ou ouvir o termo “gado” quando se trata de política, cabe esclarece que este termo é utilizado quando uma pessoa ou grupo de pessoas são facilmente enganados, conduzidos ou persuadidos para defender certo pensamento, pessoa ou ideia.

Atualmente estamos vivenciando um período onde algumas pessoas efetuam a defesa de seus “ídolos” políticos sem nenhuma avaliação racional. Muitas destas pessoas se colocam como intransigentes e acabam por repetir comportamento típico de manadas. Antigamente era muito comum usar a expressão “Maria vai com as outras” para qualificar as pessoas que seguem a opinião dos outros e que não conseguem definir qual é a sua opinião, a sua posição sobre certo assunto.

Realmente o crescimento do PIB de 2019 foi muito tímido, principalmente se considerarmos o tamanho de nossa economia e que nos últimos 19 anos tivemos desempenhos melhores em 13 deles.

Por outro lado temos que considerar que nossa economia enfrentou uma crise financeira mundial no ano de 2008 que, combinada com uma crise fiscal ocasionada pela irresponsabilidade de governos recentes, levaram nossa economia para uma recessão que “encolheu” nosso PIB por dois anos consecutivos.

Temos que buscar o equilíbrio nestas análises e encontrar os pontos fortes e fracos do desempenho recente de nossa economia e, principalmente, as decisões de políticas econômicas que não foram eficientes para garantir uma retomada vigorosa.

Outra questão importante para ser analisada, avaliada e submetida a críticas é o comportamento de nossos agentes políticos diante do quadro recente de empobrecimento de boa parcela da população brasileira. Mas o que acompanhamos nas redes sociais é um grandioso embate de bitolados defensores de posições antagônicas extremistas. Isto em nada vai contribuir para melhoras no resultado da economia. Pelo contrário, este cenário somente alerta os investidores nacionais e internacionais sobre as incertezas futuras para o nosso país. E digo incertezas porque num ambiente de crise política e social é isto que resta. E como já sabemos, uma crise política pode se transformar numa crise econômica que, no caso apresentado, pode trazer danos significativos para o processo de retomada do crescimento.

A abordagem do tema tem que ser feita para além de discutir se é o PIB público ou privado que está crescendo mais, se a década vai ou não ser “perdida”, se a busca do equilíbrio fiscal “trava” ou não a economia ou se a culpa é dos argentinos. Temos que abordar o assunto com a preocupação de buscar distribuição da riqueza gerada, mesmo que seja pouca. Temos que nos preocupar se a pobreza e a miséria estão diminuindo.

O PIB cresceu, que bom. Cresceu aquém do necessário, que pena. Mas o que precisamos fazer para que nossa economia cresça num ritmo ideal? O que nossos agentes políticos precisam fazer? Podemos não saber estas respostas, mas sabemos que temos que nos unir em torno de um projeto de nação forte e unida e romper com os extremismos dos dias atuais.